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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

02
Mar06

ARRITMIA

shark
liverdade.JPGFoto: sharkinho
Galopava esbaforido no interior do estábulo improvisado que lhe sufocava a alma selvagem de puro-sangue. Ninguém conseguia acalmar aquela correria desenfreada, aquela ânsia descontrolada que o movia, pancadas secas de cascos nas paredes que o cercavam e assim marcavam o ritmo da sua vontade de escapar para a liberdade que a planície lhe prometia, lá fora, onde vivia uma parte de si.

O sol forçava a entrada em todas as aberturas, por quão minúsculas, daquele espaço tornado sombrio pela angústia do cativeiro. O sol espicaçava-o e acelerava-lhe a pulsação, roubava-lhe a razão porque o ensandecia com pequenas cócegas de luz. Amostras do céu que o esperava no exterior. E o vento colaborava na agitação, transportava o som da ondulação na costa costeira, perto dali.
Reuniu as forças que lhe restavam. E depois rebentou o portão e saiu.

Parecia que sorria quando se percebeu livre de novo para correr sem destino, para buscar no horizonte um objectivo, um caminho alternativo, a escolha que lhe competia assumir e não delegava. A liberdade que abraçava e os riscos que não temia, sozinho pela pradaria, entregue a si próprio sem freio nem sela. Corria eufórico e respirava alegria em cada inspiração. Transpirava emoção.

Vagueou pela paisagem enquanto durou o êxtase da loucura que dele tomou conta nesses dias da libertação anunciada. A longa cavalgada que o tornava senhor do sentimento, o seu, e o instinto que o guiava pelo caminho como uma fonte de luz que o atraía de forma irresistível para a vertigem do desconhecido. Para uma nova dimensão, justiça feita pela reposição de um estado de alma que quase esquecera confinado numa espécie de prisão voluntária. Precisava de conhecer o mundo sem barreiras, o fundo adormecido da sua natureza libertária que ditava as regras do jogo nessa altura.

Contudo, sabia que não lhe pertencia por inteiro o controlo da situação naquela corrida. O ponto de partida que o reclamava, rédeas imaginárias que o alertavam para o compromisso impossível de desvincular, e o ponto de chegada que lhe rejeitava o excesso de euforia, na distância que aumentava à medida que progredia, desastrado, na aproximação. Um contra senso necessário para lhe domar o imaginário e apelar à razão. Para abrandar a corrida e entender a essência do seu papel na vida que o acaso lhe moldou.

E foi assim que regressou, a trote, ao espaço que o acolhia, no interior de si mesmo, à origem do desassossego, paradoxal, que afinal constituía a única solução ao dispor. O amor que o movia, plural, devidamente enquadrado na lista das prioridades a respeitar e das verdades que não podia desmentir, limitações escusadas pois não seriam limitadas as suas opções, apenas debatidas nas discussões que lhe gritavam vai mas volta.
Puxava uma carroça que albergava o legado fundamental, a eternidade garantida, a felicidade prometida na réplica de si numa cria de alazão. Porque queria.
Postura de garanhão insaciável na aventura que entendera perseguir. Uma forma de agir que o perderia, caso ignorasse o caminho de regresso, inevitável, ao doce remanso que o reclamava na casa sua. O juízo que lhe faltou, oferecido de bandeja por quem não negava o amor nos dois extremos da sua equação.

Sereno, observa agora as estrelas e escuta sem problemas o som distante da rebentação num estábulo com muitas janelas, com paredes transparentes e isento de portão.

Livre dos grilhões que a sua cabeça lhe impunha no cárcere que nunca existiu e apenas o reprimiu de ignorar os condicionalismos naturais às suas paixões destravadas.

Para ser feliz, à solta, pelos espaços sem grades das suas convicções amotinadas.

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