Primeiro dos dias úteis. Uma utilidade duvidosa, excepto para quem encara o trabalho como um prazer. Eu também encaro o trabalho dessa forma, pois sinto-me fodido sempre que se torna imperativo prestar esse tributo à sociedade para que esta me aceite e me reconheça como um igual.
Integro-me na cena porque não me assumo pária, presto serviços, prostituo a minha energia em troca de uma remuneração que me permitiria adquirir os símbolos do estatuto que merece quem melhor se governa neste jogo social.
Eu governo-me bem, como qualquer mercador numa terra de vendilhões (das próprias almas, até). Esforço-me por bulir de uma forma não mercenária, evito cegar pela ambição recusando a ilusão de me equiparar a um pequeno milionário por via de possuir meia dúzia de sinais exteriores que fazem um vistaço na figura de qualquer cidadão como eu, de classe média. Esturrico mais facilmente o pilim numas imperiais e numa bela sapateira do que num calçado finório na sapataria da moda. Sou assim, algo desenquadrado do meu meio. Sem classe alguma a defender.
A minha origem é mesmo o povão. Só o milagre de uma Revolução, acontecida na melhor altura para os putos de famílias sem cheta nessa época, me permitiu acompanhar o agregado familiar na sua escalada, na ascensão à etapa seguinte da degradação moral inerente à sede de enriquecimento que nos afasta do essencial. Porque a fuga às privações monetárias implica a concentração num objectivo incompatível com a manutenção de um contacto familiar (e não só) próximo e saudável. As repercussões desse caminho pela ambição acabam por se fazer sentir, quando tudo gira em torno da sede de trepar até ao ponto mais elevado possível da cadeia alimentar de uma economia canibal.
Por isso mesmo abdico do sucesso tal como o medem agora, recuso trabalhar fora de horas e, dizem, isso faz toda a diferença no percurso de um trepador social acelerado, de um vendedor.
Pois faz.
O trabalho por gosto, excepto para uma minoria de apreciadores, de lutadores, de sonhadores e acima de tudo de felizardos é um luxo. E eu não gosto do meu porque me impõe (como todos) uma carrada de sapos para engolir, uma espécie de vassalagem aos que (lá em cima) só acreditam na capacidade dos que abraçam determinado perfil. Fato e gravata. Na mona. Padronizado. Olhar frio e discurso consensual. Nenhuma rebeldia. Alinhamento perfeito com a postura que se entende ideal. Uma espécie de chefia à distância, por inerência, sobre quem renegou o conforto de um salário pago por patrões.
E eu sou alérgico à autoridade moral que o dinheiro lhes dá, ou seja a quem for, sufoca-me o poder que o dinheiro garante. Salvo raras excepções que resultam de uma improvável mas feliz conjugação, quando o vil metal se concentra nas melhores mãos. Sou um não alinhado e por isso me entendem como uma espécie de ameaça velada ou, no mínimo, como um mal necessário.
Porque sou bem sucedido apesar de refilão, capaz de circular por esta estrada que é afinal uma pista de competição, vencedor na minha corrida nos moldes que a sociedade definiu como bitola.
Porque hoje é segunda-feira apeteceu-me discorrer acerca da labuta (essa puta) que nos é imposta na mais generosa fatia de cada dia que nos compete viver num mundo pensado assim. E do bem material que a sustenta e nos move nesta jornada de luta em horário de expediente
and behond. O discurso não soa optimista e até me permiti recorrer a um palavrão ou dois, mas acreditem que apenas resulta de uma visão pragmática de quem acaba de se despedir de mais um abençoado fim-de-semana. Um pequeno desabafo, para justificar a utilidade do blogue e vos dar mais umas dicas acerca do respectivo co-autor.
Agora é vergar a mola, na boa, de olhos postos no final do dia em que os objectivos são outros, bem melhores, e com a mente aguçada para me guiar o jogo de ancas necessário para porfiar nesta guerra sem quartel pelo lugar ao sol num espaço onde predominam as sombras. Sem apanhar com os estilhaços das deflagrações alheias, sem espalhar em meu redor o metal incandescente da minha própria rebentação.
Sem pressa nem aflição, ziguezagueando por entre os torpedos dirigidos à consciência, à irreverência, à capacidade de resistência às agressões do exterior.
E eu vagueio pela realidade alternativa que construo aos poucos, liberto uma parte de mim que passeia sem preocupações, alheia a este ritmo frenético que não passa de uma estupidez sem sustento.
Vou então para fora cá dentro. Blindado pelas convicções.
E desarmado pela lucidez.