15
Fev06
JANELA FECHADA
shark
Para quê a ânsia de rasgar janelas na muralha, de abrir uma brecha à luz dos raios de sol e ao arrepio da brisa nos cabelos, para depois as manter fechadas?
É como desenhar estradas na planície, vias de comunicação para inglês ver, interditas ao tráfego de tudo quanto se possa mover. Apenas pelo valor simbólico da abertura ao exterior, pela fachada.
Fica mais bem decorada, a parede opaca, com um buraco por onde espreitar, de vez em quando, por detrás das cortinas que jogam bem com um detalhe qualquer do interior. Às escondidas do lado de fora, o agressor. À revelia do amor e de todas as emoções genuínas, o medo da luz, mais forte do que a ameaça dos fantasmas ocultos na escuridão.
A fuga apressada à primeira gota pingada, filha única da chuva que nunca chega a acontecer na realidade seca de quem veste uma gabardina por causa da incontinência de uma nuvem isolada que entretanto por ali passou. Por cima da fortaleza, o castelo (des)encantado cuja ponte levadiça emperrou. A janela que se fechou sobre si própria e assim contrariou o nobre propósito que a justificava.
Madeira carcomida, pintada de branco para simular a alegria que um simples sorriso poderia transmitir. Ou uma conversa com a vizinha do lado, braços pousados no estendal. Conversa banal, porque não? Melhor do que a solidão que dispensa janelas para lhe iluminarem as mazelas da falta de um abraço. Melhor do que o olhar baço por detrás da cortina de ferro sem fantasia onde esbarram os sonhos inviabilizados pela apatia.
Talvez pela cobardia. O perigo real de uma inesquecível constipação. Menos provável no Verão, sem descartar à partida o excelente pretexto do excesso de calor. E no Inverno o bolor, da humidade excessiva que lá fora se experimentou.
Janela fechada. Rasgada sem nexo na muralha individual.
Sempre à espera, sempre à espreita da ocasião especial.
Emperrada pela vontade adiada e pela pressa de fugir, até ao dia em que a vontade esmoreça.
E já ninguém a queira abrir.