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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

26
Fev06

SEGUNDA ESCOLHA

shark
ao caminho.jpg
Aquele indivíduo metia dó. Via-se encurralado no caminho emocional das outras pessoas e sempre se descobria como uma segunda escolha, uma alternativa aos ideais românticos de quem o abraçava. Uma panaceia.
Aos poucos definhava nessa certeza que a vida lhe dava, de surpresa, nas mais variadas formas. E eu assistia à sua morte em vida, impotente, percebia a dimensão do seu desgosto e a progressiva perda da sua fé, mais em si do que nas outras pessoas.

Ele era um homem que passava a vida a perdoar, deixava-se enganar de propósito para merecer a caridade do amor de alguém. Alimentava ilusões que depois se desfaziam como flores secas e murchas na palma da sua mão. E ainda arranjava maneira de ficar mal visto com essa constatação. Nem lhe perdoavam as conclusões óbvias perante factos impossíveis de desmentir. Preferiam ferir a sua sensibilidade, insultando-lhe a inteligência.

E ele tinha consciência do seu papel de actor secundário na vida das protagonistas de cada filme em que contracenava como palhaço pobre, pobre coitado que apenas colmatava as lacunas como uma simples peça de substituição. Perdia a razão, ou tiravam-lha, sempre que se deixava convencer pelas evidências. Não lhe perdoavam um beliscão na realidade alternativa de cinema mudo que lhe cabia interpretar. Apenas lhe restava sonhar, enquanto aguardava que outros lhe assumissem a função. Metia dó.

Tentei deitar-lhe a mão, enchi-o de esperança. Mas de nada valeu. No seu horizonte adensava o breu e acumulavam-se os episódios que o humilhavam, as conclusões que lhe rejeitavam com base em desculpas sem nexo, esfarrapadas. Eram tantas as evidências que ele nem podia alimentar um sonho em condições, mesmo uma pequena ilusão, de se ver titular na equipa ganhadora em vez de mero suplente num jogo para empatar a solidão.
Nem conseguiam enganá-lo, ocultar-lhe os sinais.

Um dia ele desapareceu. Da minha vida como das de outras pessoas, nem sei se morreu. Por dentro, aposto que assim foi. Ouvi-lhe a amargura em tom de despedida, quando me confessou, cabisbaixo, a sua desistência dos caminhos do amor. O fim de uma carreira menor, por sua iniciativa, antes que ficassem preenchidos os lugares que ocupava de forma indevida. Sabia-se incapaz de competir com o estatuto e o comportamento ideal que outros, os eleitos, assumiam com a naturalidade dos verdadeiros ganhadores.

Ele acabou a perder, vexado.
E carregou para outro lado as mágoas que a vida lhe deu a provar.
26
Fev06

TENHO UMA PENA PARA TE REVELAR

shark
Ontem estive a observar a outra face de alguém. Um alter ego, escondido numa gaveta aberta, camuflado com uma identidade alternativa em modo reverse para afastar os olhos indiscretos das verdades que não podia contar.
Mas precisava. E por isso arriscou deixar aberta a gaveta, na convicção de que ninguém poderia algum dia somar dois mais dois a partir das improváveis coincidências ali expostas.

Nessa outra face, menos politicamente correcta, essa pessoa desabafava o que lhe ia na alma e fornecia explicações para fenómenos que me deixavam surpreso, sem respostas. Como numa imagem invertida de si, um recomeço logo a seguir a um fim. Essa pessoa afastou-se de mim, devo esclarecer, e eu não entendia porquê. Entendi-o agora, nas palavras que me escondeu por detrás de uma porta entreaberta à minha mercê, ao alcance do olhar indiscreto que agora me envergonha.

Exigi demasiado dessa pessoa, reconheço agora. A vida lá fora é um poço de tentações que gera desequilíbrios entre o que queremos e o que conseguimos ser. A vida é uma permanente armadilha para o nosso coração. E a cabeça é que paga, atormentada pelas dualidades que nos minam a consciência.

Arrependo-me de ter, com o exagero da minha pressão, afastado de mim essa pessoa.
E de destruir, pela natureza das revelações que me confrontaram e pela curiosidade mórbida que me amarrou às palavras ocultas, a confiança que nos poderia reaproximar.

É uma pena que a sinceridade seja proibida na amizade.
E até no amor.

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