Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

15
Fev06

ANOTAÇÕES

shark
notebooks.gif

Conservo, de forma mais ou menos organizada, quase todas as agendas e cadernos de notas que fui usando ao longo destes últimos anos, no exercício de funções profissionais.
É claro que isto - no meio da desorganização geral como forma normal de funcionamento - significa encontrar de vez em quando e por acaso, nos sítios mais inesperados, os referidos objectos de assentamento de notas e compromissos e assuntos muito, pouco ou nada urgentes e também aqueles classificados na categoria de "o tempo há-de resolver". Ou ainda os ininteligíveis, do tipo "55, hoje, ouvir** ////". Assim mesmo.
Aconteceu há poucos dias, no decurso de uma limpeza mais metódica a algumas divisões da casa, reaver um conjunto de volumes de capa encadernada a exalar ainda um suave aroma a couro, outros de cartão semi-roído nas pontas e com folhas desirmanadas a desprender-se das argolas e ainda alguns quase intactos, com apenas uma ou duas anotações nas primeiras folhas, brancos e inocentes, à espera de registar um rol de obrigações inadiáveis que nunca chegaram a acontecer.

Gosto de ter estes registos dos meus dias passados.
Gosto de saber que, no dia 4 de março de 2001, por exemplo, tive que ir a uma consulta - dentista - violeta, com a menina dos meus olhos. Gosto de imaginar - porque não me lembro dos detalhes, porque normalmente não relembramos estes minutos e horas de vida de actividade "normal" - que a apanhei à saída do jardim de infância, cabelos a voar e dentes de leite, e partilhámos juntas a experiência registada. E depois fomos comer um gelado.
Ou que, outro exemplo, no dia 25 de Setembro de 1999, participei em mesa - abertura - sessão, de uma das milhentas comemorações de todo o tipo de efemérides nas quais tive que estar presente, por via das responsabilidades profissionais.
Gosto de relembrar ocasiões, tantos anos depois, dias felizes, outros nem tanto, através destas notas registadas por mim em folhas e folhas de diferentes cores, tamanhos e texturas, de perceber, à distância, a verdadeira dimensão do que, naquele momento, parecia ser o assunto mais importante ou inultrapassável do mundo. Dívidas e obrigações e urgências e lazeres, preservados em gradientes diversos de tintas azul ou preta ou verde ou lilás.

Guardar estes cadernos, faz-nos perceber o quão relativas são as nossas maiores preocupações do momento. As horas que gastámos e desgastámos a tentar encontrar soluções para um problema que, visto à luz de 4 ou 5 anos que já lhe passaram por cima, se afigura até, vagamente ridículo. Como a impreterível data marcada para tratar do IRS, a obrigatória presença na importante reunião de negociação de um protocolo, a inadiável deslocação a um fogo devoluto a precisar de obras e que, entretanto, ostenta hoje um telhado novo e reluzente. Faz-nos questionar as prioridades que vamos definindo, muitas vezes empurrados por uma conjuntura que não nos deixa outra saída.
Conservar estas memórias escritas, ajuda-nos a reencontrar r a pessoa que fomos e a avaliar o que mudámos entretanto. São como que fotografias de rotinas que tivémos, como os círculos marcados no interior do tronco de uma árvore, que representam eras distintas de uma vida. São pedaços de quotidiano que reavemos quando abrimos ao acaso uma agenda ou bloco de notas antigo.

São momentos de nós. Pedacinhos de um caminho.

E o que é giro é perceber que, depois, há aquelas memórias, registadas no disco rígido das emoções, que não necessitam de qualquer apontamento escrito.
Estão sempre ali. Simplesmente.

Mar
15
Fev06

JANELA FECHADA

shark
agua furtada.JPGFoto: sharkinho

Para quê a ânsia de rasgar janelas na muralha, de abrir uma brecha à luz dos raios de sol e ao arrepio da brisa nos cabelos, para depois as manter fechadas?
É como desenhar estradas na planície, vias de comunicação para inglês ver, interditas ao tráfego de tudo quanto se possa mover. Apenas pelo valor simbólico da abertura ao exterior, pela fachada.
Fica mais bem decorada, a parede opaca, com um buraco por onde espreitar, de vez em quando, por detrás das cortinas que jogam bem com um detalhe qualquer do interior. Às escondidas do lado de fora, o agressor. À revelia do amor e de todas as emoções genuínas, o medo da luz, mais forte do que a ameaça dos fantasmas ocultos na escuridão.

A fuga apressada à primeira gota pingada, filha única da chuva que nunca chega a acontecer na realidade seca de quem veste uma gabardina por causa da incontinência de uma nuvem isolada que entretanto por ali passou. Por cima da fortaleza, o castelo (des)encantado cuja ponte levadiça emperrou. A janela que se fechou sobre si própria e assim contrariou o nobre propósito que a justificava.

Madeira carcomida, pintada de branco para simular a alegria que um simples sorriso poderia transmitir. Ou uma conversa com a vizinha do lado, braços pousados no estendal. Conversa banal, porque não? Melhor do que a solidão que dispensa janelas para lhe iluminarem as mazelas da falta de um abraço. Melhor do que o olhar baço por detrás da cortina de ferro sem fantasia onde esbarram os sonhos inviabilizados pela apatia.

Talvez pela cobardia. O perigo real de uma inesquecível constipação. Menos provável no Verão, sem descartar à partida o excelente pretexto do excesso de calor. E no Inverno o bolor, da humidade excessiva que lá fora se experimentou.

Janela fechada. Rasgada sem nexo na muralha individual.
Sempre à espera, sempre à espreita da ocasião especial.

Emperrada pela vontade adiada e pela pressa de fugir, até ao dia em que a vontade esmoreça.
E já ninguém a queira abrir.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

Arquivo

    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2004
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D

Já lá estão?

Berço de Ouro

BERÇO DE OURO