Confesso que nem sei por onde pegar, embora já esteja a escrever esta posta.
Descobri hoje a morte (anunciada numa caixa de comentários) de uma senhora blogueira, a Joana, do
Semiramis.
E não sei por onde pegar. Se pela realidade (aparente) do óbito da alegada mãe de duas crianças e uma das mais respeitadas colegas desta nossa comunidade. Se pelo fim do
Semiramis, inerente ao desaparecimento virtual e/ou físico da sua autora. Se pelo surrealismo da caixa de comentários da que terá sido a sua última entrada no blogue.
Talvez pegue pela morte propriamente dita, no contexto desta nossa vida virtual.
Parece-me que a Joana, viva ou morta, não gostaria de estar na origem de falatório póstumo.
A única forma de quem nos conhece na blogosfera saber que morremos é existir um contacto pessoal, real, entre quem bloga. E mesmo assim,
só quando um blogueiro dá conhecimento desta actividade a alguém próximo é possível sabermos se um blogue interrompido sem anúncio já serve de epitáfio a um defunto qualquer.
É macabra, esta conclusão. Mas o teor dos comentários de despedida no
Semiramis ilustram bem o quanto é realista a minha conclusão acima.
A morte virtual é frequente neste meio. De repente, desaparece um nick e ninguém mais sabe do seu paradeiro. Ocorre-nos logo que a pessoa por detrás do nick apenas se fartou desta cena ou decidiu investir numa nova identidade para poder recomeçar a partir do zero. Algo que já me ocorreu, quando me liquidaram o anonimato, e que está ao alcance de qualquer um(a) de nós.
Contudo, morrem pessoas todos os dias. E algumas blogam. Ou blogavam, mas nós, os restantes, não o sabemos. Limitamo-nos a deixar cair as visitas após um período razoável sem sinal de vida no blogue.
Mas a morte analógica é um bico de obra nesta nossa comunidade. Não só porque não temos tempo de fazer uma posta de despedida em condições, para esclarecimento da malta, para evitar a especulação que, às tantas, resulta na mais pura imbecilidade ou mesmo na indecência, mas porque um blogue individual é como um apartamento que ocupamos sozinhos. Se não nos damos com os vizinhos, só dão pela nossa falta quando a putrefacção do cadáver por actualizar se torna insuportável.
O problema é que num blogue não existe quem possa arrombar a porta para verificar a explicação para a ausência e conceder-nos um enterro virtual em condições.
Não estou, e leiam com atenção, a parodiar o tema. Muito menos com base numa verdade que, embora meio ambígua nesta altura, pode vir a confirmar-se indesmentível. A nossa existência analógica conhece sempre um fim, pois nem que seja no Ministério das Finanças, alguém dá pela nossa falta. Aqui não. Deixamos de blogar e todos presumem que deixámos de blogar. Não lembra a ninguém que uma embolia pulmonar ou outro imprevisto qualquer possa ter-nos privado de apresentar os cumprimentos de despedida que tantas vezes acabam por prenunciar apenas o nosso regresso, algum tempo depois.
Neste sentido, o isolamento pode tornar-nos imortais na blogosfera. Mesmo depois da missa do sétimo dia ainda haverá quem nos comente, quem nos insulte, quem nos desafie para a conversa. E se tivermos um blogue gratuito, podemos ficar presentes nas nossas palavras e na nossa existência virtual (teoricamente) para sempre
O
Semiramis foi um dos fenómenos mais notáveis da blogosfera portuguesa. Um dos indicadores mais claros está
aqui. Os outros estão lá para quem os saiba apreciar.
Era a Joana quem o fazia e deixou de o fazer. O blogue morreu? Talvez sim, talvez não, depende de uma série de factores.
O mesmo, pelo que me é dado constatar nesta montra colectiva que nos expõe o talento e boa parte daquilo que nos faz gente, aplica-se à sua autora, uma inteligência fora do vulgar e um estilo de escrita quase irrepreensível.
Mas no mínimo aplica-se à grata memória que aquele nick (aquela pessoa) nos deixou, no seu registo digital.
A confirmarem-se (ou não) os piores rumores