O improvável não é impossível. A frase não é minha, é do
Edgar Morin. Mas serve na perfeição para descrever uma boa parte da minha atitude na vida.
Este tapete vermelho para as utopias funciona como um lema que sigo com uma fidelidade canina. Justifica-me a excentricidade nas ambições e a tangibilidade nas paranóias.
É improvável não se conseguir o que verdadeiramente se quer. A força da vontade é esmagadora quando aplicada com determinação, coragem, prudência e convicção. O impossível tem sempre uma fraqueza, uma debilidade conceptual a que nem a morte dá resposta. É possível sobreviver à própria morte, afirmam muitos, embora sempre defendidos pelo manto especulativo do sobrenatural que caracteriza essa sobrevivência num plano alegadamente superior. De confirmação teoricamente impossível, ao que sabemos, até ver.
Não é impossível no domínio da fé. E esta última, aplicada aos meus desejos e às minhas decisões é a inimiga lógica natural de qualquer impossibilidade anunciada.
Nada é impossível, mesmo quando as probabilidades escasseiam. O tiro na mouche, o reencontro inesperado, a chave do Euromilhões. Basta uma incrível coincidência, um milagre na sua concepção menos divina. O milagre da sorte e do azar.
Acontecem, as porras, de onde menos as esperamos. O pouco provável é uma porta entreaberta para o descuido, a defesa desguarnecida. E serve de base a qualquer teoria da conspiração, legitima-a com essa dúvida metódica, cautelosa, que se transforma facilmente numa suspeita que se transfigura numa acusação.
É assim que a coisa se processa num símio com calo no cu ou num felino vítima de um escaldão. A tarimba mais foleira que a vida oferece a alguém.
Improvável é a impossibilidade seja do que for. Bom ou mau. Land of oportunity e tormento infernal, num mesmo espaço, num mesmo tempo, à distância tão curta de uma questão de pormenor. De um erro de interpretação. De um tropeção ocasional que pode fazer toda a diferença no desfecho que se obtém.
As coisas impossíveis não cessam de acontecer. Já pouco me surpreendem, aliás.
A realidade que nos encorna na ficção. Os planos maquiavélicos do acaso para nos acabar com as certezas absolutas, traçados pela mente com base na especulação ou nas conclusões precipitadas acerca de algo que se observou.
A insegurança é como um agente infiltrado que a desconfiança produz para nos obrigar a reforçar as defesas, ou mesmo a atacar os fantasmas de papel. Pensamo-nos alvos únicos para um batalhão de atiradores especiais. Sempre alerta aos sinais, à nesga que a porta frágil da situação improvável nos expõe.
Por outro lado, existe a tal saída que nos permite escapar de vez em quando à guarita. E esse túnel interno, escavado a custo no solo firme da nossa protecção, chamo-lhe fé como podia chamar-lhe outra coisa qualquer.
É por aí que me piro dos males com que a vida me acena nas memórias dos maus bocados que aqui e ali enfrentei, pendurado numa corda feita de sonhos e de esperança em vitórias que a improbabilidade não consegue, de todo, dissuadir.
Apostas a fingir, túnel escorado no lado menos encantador das ilusões. A possibilidade de o improvável surgir pela negativa
Eu acredito nas surpresas, nas reviravoltas que o destino nos oferece como resultado das maquinações de uma força superior. Nas boas e nas más. Acredito no ódio como acredito no amor. E na confiança como na traição. Os extremos opostos reunidos numa mesma situação, em potência, a sorte ou recompensa e o azar ou consequência de uma má opção.
Na minha existência convivi com as manifestações desta verdade que nos atordoa, quando nos eleva à euforia e depois nos arrasta à depressão. Ou vice-versa. Os eventos improváveis que são passíveis de acontecer. As impossibilidades de tanga que nos apanham com as calças na mão.
Um passo em frente pela oportunidade e a sua contrapartida pela fragilidade da nossa condição humana perante os reveses inesperados, pelo quanto uma desilusão acarreta de devastador.
O medo de perder o que temos de bom, por desleixo ou distracção. E do mal oportunista, atento às brechas que abrimos de cada vez que não acautelamos o desenlace opcional.
E a coragem de aproveitar o benefício que a improbabilidade permite espreitar. Ou a tal fé que pode mover as montanhas (da inércia) à velocidade de um foguetão.
Aquilo que nos catapulta para um sucesso
impossível pode constituir o melhor pretexto para a nossa desdita maior. É esse o maior risco de quem arrisca por impulso mas não dispensa o aconchego da protecção.
É esse o preço a pagar nos antípodas das meias tintas, na ausência de cor ou no espalhafato de um borrão.
Vencedores e vencidos com as mesmas cartas na mão, dependendo da conjuntura.
Há muito de improvável, sem dúvida.
Mas tudo pode acontecer