Foto: sharkinhoA tolerância e a compreensão constituem requisitos fundamentais para consolidar qualquer tipo de relação. Não é novidade para ninguém. Contudo, multiplicam-se os exemplos de ligações que terminam por via da incapacidade da maioria das pessoas de flexibilizarem os seus critérios em função das circunstâncias, do contexto em que as reacções dos outros se manifestam.
Fazemos tábua rasa dos problemas alheios, quando temos que avaliar as atitudes menos correctas com que nos confrontam. Ignoramos os estados de fraqueza, a vulnerabilidade que possa estar associada ao gesto que nos cai mal, reagimos sem contemplações.
E tal ímpeto pode constituir uma tremenda injustiça para com pessoas cuja conjuntura pode justificar a conduta que nos desagradou, pelo desprezo que evidenciamos relativamente aos factores de que, quantas vezes, até temos conhecimento.
É nesses momentos que deveriam falar mais alto a amizade e/ou o amor. Porque é fácil estar na boa com alguém que nunca desatina, que mantém uma compostura a todo o tempo exemplar. O que vale uma relação, qualquer relação, mede-se precisamente nos instantes em que testamos a paciência dos outros ou estes nos colocam à prova nessa matéria. É aí que temos a oportunidade de nos distinguirmos da multidão, quer pela forma como nos tratam quer pelo modo como nós mesmos enfrentamos um problema que possa surgir.
Nenhuma relação vale um chavo se nos momentos difíceis não faz qualquer diferença se o outro está a enfrentar as sequelas de uma revelação foleira, de uma preocupação justificada ou apenas de um momento mau da sua vida pessoal ou profissional ou ambas.
É na capacidade de termos em conta esses factores, de reprimirmos a punição pelos desmandos de quem constitui o nosso núcleo duro de relacionamentos que nos provamos merecedores da estima de alguém. Por fazermos prova da nossa por essa pessoa.
Isto é óbvio e nem deveria ser necessário repetir.
Porém, todos os dias se concretiza mais um divórcio, mais uma ruptura, mais uma separação algures no nosso universo particular. Às vezes toca-nos essa fatia amarga do bolo social, onde na maioria dos casos só existem migalhas de consideração para cada um debicar como pode.
Só mantemos ligações duradouras se nos mostrarmos dispostos a pactuar com todo o tipo de enxovalhos. E desses enxovalhos faz parte a tomada de consciência da nossa real valia para quem nos é próximo.
Relações de merda, afinal, construídas por detrás de fachadas que podem ruir à primeira contrariedade, que sucumbem pela falta de sustentação. Os alicerces frágeis, assentes em terreno desequilibrado, afundam-se na areia movediça do faz de conta. Faz de conta que gostamos imenso, se tudo correr pelo melhor.
Mas quebra-se o encanto, mal alguém ousa violar o pressuposto da relação sem ondas, fácil, boçal. Mesmo que lhe assista alguma razão para fundamentar uma reacção estapafúrdia.
É assim que se vive nos nossos dias. Paredes presas por arames, sustentadas pela camada de verniz que, por qualquer merdinha, estala e faz desabar o desgosto sobre as carolas de quem investe demasiada esperança na boa vontade alheia.
Somos uma maçada uns para os outros, incapazes de ocultarmos as fragilidades que nos inferiorizam e nos remetem para o lote dos dispensáveis ou supérfluos na agenda do cidadão comum.
Nesse contexto, o Carnaval é uma época perfeita para a sociedade que construímos.
Podemos acrescentar outras máscaras às muitas que o convívio com os outros nos obriga a carregar.
Podemos parodiar a nossa verdadeira condição de aprendizes de camaleão que o quotidiano modela à bruta.