Amanhã vou ter que participar nesta exibição de pujança da democracia. Vou votar, para honrar o esforço e o sacrifício dos que me abriram as portas a essa ilusão de ser dono do meu destino. Vou votar para homenagear a liberdade de o fazer.
Contudo, e tal como nos dois ou três anteriores plebiscitos, vou votar acima de tudo pelos motivos que acima citei e não pelo impulso de qualquer ideologia.
Não me revejo por inteiro em qualquer dos partidos que me oferecem como opção. E ainda menos sinto essa ligação aos candidatos que, de uma forma ou de outra, o nosso sistema político-partidário disponibiliza para mais uma escolha difícil.
Eu explico-vos melhor a razão deste discurso pouco entusiástico acerca das eleições presidenciais, mesmo não percebendo um boi de política.
Começo pelo fim, pelo fulano no qual eu jamais apostaria para o lugar. Cavaco Silva é o candidato do outro lado do meu espectro ideológico. Ainda me reconheço de esquerda, acredito nos valores que este senhor inenarrável rejeita.
E apesar de sentir que Portugal precisa de uma liderança forte e mais disciplinadora, não é ao Presidente da República que compete exercê-la. Não há milagres quando não existe o verdadeiro poder.
O Presidente é, em muitas ocasiões, a cara do país no exterior. E em termos domésticos compete-lhe apenas zelar pelo bom funcionamento de todo o cenário que a democracia criou.
O Cavaco é uma figura digna de um filme de terror, um antipático natural. E tem tiques de liderança que podem transformá-lo na pior das opções para o cargo em causa. Vai arranjar problemas só para dar nas vistas e para abrir caminho para a reviravolta nas próximas legislativas.
Não constitui para mim uma opção.
Depois tenho o outro lado desta luta de titãs jurássicos, Mário Soares. Faz-me lembrar a Amália, quando cantava já sem voz. E invoca a imagem do Eusébio num hipotético regresso à equipa principal do Benfica nestes dias.
Não está em causa a lucidez e a capacidade do político e do homem. Está em causa a noção instintiva do momento em que alguém deve parar, o momento adequado para sair pela porta grande.
Isso já tinha acontecido com Mário Soares, como o próprio chegou a admitir.
Agora, por motivos que não me soam razoáveis, regressa à arena com modos de vingador, de bastião de uma esquerda esquisita contra as forças do mal.
Bastar-me-ia a suspeita de que traiu um amigo para de imediato sair da minha equação.
Nem numa segunda volta o escolheria, pois há muito não lhe reconheço o perfil da esquerda que me atrai.
Jerónimo de Sousa é o candidato do costume, o empata do PC. Parece porreiro, é um homem do povo, um proletário, antifascista e tudo o mais. Mas é comuna, teimoso, incapaz de abdicar do tempo de antena ainda que isso possa custar uma cavacada à primeira volta. É o candidato que nunca poderia ganhar. E arrasta consigo uma máquina partidária que me arrepia pela sua mecanização.
Há quem lhe chame capacidade de mobilização, mas a militância participativa não é algo que se impõe. É algo que se estimula.
Este também não é hipótese no meu boletim.
O melga, Garcia Pereira, merece o meu respeito pela persistência. Não merecia o tratamento que a Comunicação Social lhe deu ao longo da pré-campanha. Limitar o acesso aos mais pequenos é empurrar a democracia para a bipolarização. Nunca surgirá em cena um candidato (uma candidata, que tal?) alheio aos partidos enquanto os media comandarem as eleições como um jogo de audiências.
Claro que o bom do Garcia não é de todo uma opção para mim.
E agora restam os dois que mais prendem a minha atenção.
Com todas as reservas que ainda me inspira, sinto-me próximo do Francisco Louçã. É um gajo novo, cheio de pica e bué liberal. Gostava de o ver como Ministro do Ambiente, por exemplo. É que apesar das questões ideológicas, nunca perco de vista a componente humana dos políticos que o país nos proporciona.
O Chico parece-me um gajo capaz, daqueles que fazem falta no esquema. Mas não me parece a melhor solução para o cargo. E esta é uma eleição presidencial.
Se fosse eleito, seria um Presidente cheio de capacidade de intervenção e daria água pela barba aos socráticos no poder.
Mas a esquerda de confiança ainda não limou muitas arestas que a impedem de a merecer. Os excessos pontuais que denunciam algum deficit de bom senso perante a realidade dos factos e aquelas birras da malta de esquerda mais radical quando se aproximam demasiado do poder. Coisas que me fazem temer uma equipa bloquista na Presidência, onde deve imperar a moderação.
E feitas as contas, o homem não tem mesmo hipótese de disputar a segunda volta e, enquanto hipotético candidato de toda a esquerda, certamente perderia.
Ninguém convenceria o Jerónimo e a sua rapaziada a engolirem um sapo assim
Manuel Alegre é o meu candidato preferencial (o que não quer dizer exactamente o mesmo que ideal). Justifico esta posição pelo facto de ser um homem de esquerda moderada, um homem da cultura e, por força das circunstâncias, o único candidato exterior aos aparelhos partidários (um argumento de peso, pelo arrepio que essas organizações me provocam).
Por outro lado, a sua rebeldia perante o Partido Socialista (que muito o tem maltratado nos últimos meses, de forma ingrata e desleal) inspira-me a confiança necessária para o adivinhar incómodo para a maioria absoluta que me preocupa (qualquer que seja o partido, aliás) pela impunidade que esse grau de poder assegura.
Porém, vejo-o como um político capaz de entender o sentido de Estado e de subordinar a sua actuação aos interesses do país. Mesmo que isso implique engolir um ou outro veto que por impulso nunca deixaria de aplicar.
Tem coragem política, tem um olhar que inspira confiança e tem um passado que nunca o descredibilizou.
Temo apenas que uma vez eleito possa transformar-se no Lula português. E não estou a falar das parecenças físicas
Em resumo, vou voltar a escolher o menor dos males. Não vejo nos candidatos nem nas ideologias a alternativa que mudará seja o que for de tudo aquilo que destrói o nosso país como erva daninha. Aquela doença mesquinha que torna a política num lodaçal e o Estado no nosso maior papão, qualquer que seja a cor dos que o controlam.
Não acredito que estas eleições tragam algo de novo em matéria da esperança do povo nas estruturas e nas actuações de quem luta pelo poder nos jornais e nos canais de televisão.
Política de fachada, perpetuação de uma equipa onde mudam as caras mas é sempre a mesma a estratégia do jogo cada vez mais disputado na secretaria, no balneário, nos bastidores.
O maior perigo para a democracia são as fragilidades que os medíocres exploram para se alcandorarem a postos que de outra forma nunca seriam seus. E somos nós que sustentamos, pelos impostos e pelo voto, esta anomalia que nos arrasta aos poucos para a república das bananas em que transformamos Portugal.
O problema não é de esquerda nem de direita, nem é do candidato A ou B. É uma malformação congénita que começa no facto de as opções ideológicas serem derivações do raciocínio de bacanos que fazem tijolo há séculos e termina na impotência das populações para evitarem os abusos oportunistas que a democracia e a liberdade sonsinhas facilitam com a sua propensão para a fé desmedida nas estruturas que as legitimam.
O problema é a falta de dignidade assumida a nível global como um mal necessário, uma consequência inevitável da promiscuidade entre o poder do dinheiro e os fantoches políticos que amocham por medo, por ganância ou por mera indiferença à causa pública que lhes compete proteger destes e de outros males ou ameaças.
O problema é assistirmos impávidos a estas sucessivas vendas por catálogo de figurões decorativos que acabam invariavelmente por nos desiludir, depois de abancarem à nossa conta nas suas confortáveis cadeirinhas.