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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

04
Dez05

CONTAGEM DECRESCENTE - 5

shark
em fuga.JPGFoto: sharkinho
As palavras são como camaleões. Mudam de cor na boca de quem as proferiu, quando a passagem do tempo as despe da pigmentação original. Adaptam-se à percepção de quem as tenta interpretar, coloridas o bastante para se camuflarem no novo pano de fundo que por detrás se instalou. O cenário que mudou.

E as palavras também mudam, afinal, desprovidas do seu sentido inicial. À solta pelo bosque dos mil olhares e das escutas, à mercê dos predadores da palavra no efeito que ela pode causar. Escondidas na vegetação, receosas, as palavras adquirem um tom que as proteja, que as dissimule por entre um mar de incertezas e de indecisões na folhagem que o outono entretanto empalideceu.
O contexto ao qual não conseguem fugir, cor-de-rosa desmaiado no futuro condicionado pela leitura transversal.
Na paleta das mais fortes emoções é cinzenta a cor das suas indefinições.

Mas as palavras subsistem e na prática assistem à sua deturpação, reagem num rubor que lhes aviva a cor ou numa palidez que as desmascara de vez. São letras de uma canção. Melodia que varia de acordo com o (des)acerto dos pares. As palavras dão música também.

As palavras são como coelhos. Acossados na toca por futuros furões para a saída que desemboca na jaula dos leões. Vulneráveis ao medo dos olhos que as leiam ou dos ouvidos que as possam escutar amanhã. Indefesas perante a falsa lã nas costas das hienas que as irão degustar, ideias passadas e mais fáceis de mastigar. Tenrinhas na sua inocência, mas venenosas nas barrigas de quem as não saiba encaixar.
Ambíguas nas suas mutações.

As palavras são ilusões, coisas efémeras que se produzem com a finalidade de alguém as esquecer. Levadas pelo vento para um destino qualquer, distantes do ponto de partida, diferentes na cor e no tom. Outros tempos as pintaram no papel de fantasia que a brisa arrastou para o vazio que se criou em seu redor. O vácuo das palavras sem som.
Criadas do nada que a sua existência não transformou, inócuas para lá do preciso instante em que se sonharam um verbo importante. Que depois esbranquiçou na lixívia, na relatividade que o tempo sabe lavar, como nódoas num futuro que se antevia melhor.
Verborreia passada a ferro pelo peso das evidências. Engomada no fundo de uma gaveta encravada no armário que o sótão escondeu no meio das restantes velharias.

As palavras que se anunciam apenas prenunciam a inevitabilidade do seu fim.
São, afinal, um espelho da vida de cada um de nós.

Serão os restos de mim.
04
Dez05

CATAVENTO

shark
sopradela.JPG
Ouço o vento ao longe, transportando os sons que o passado lhe confiou. Mais os segredos inconfessáveis, as emoções descartáveis e os enigmas indecifráveis que só o tempo revelará. As mentiras piedosas.
Não sei se conseguirá, o tempo, apanhar o vento que nunca se adivinha para onde irá nesse dia soprar. Respostas por encontrar para questões que nunca se colocarão na rota da deserção que o sopro escolheu.
03
Dez05

A POSTA NO JUMENTO

shark
no brain.jpg
Foi a primeira e a última vez. E apenas porque estavam em causa os interesses de alguém (na altura) muito especial para mim.
Em boa medida o seu futuro estava condicionado (julgava eu) pelo sucesso da minha intervenção. Andara a brincar ao longo de um ano lectivo e o chumbo desenhava-se no horizonte, um ano perdido que poderia implicar a sua desmotivação e consequente abandono daquilo que me parecia ser a sua tábua de salvação anos mais tarde.

Por isso me meti ao caminho, entalado entre os valores que defendia (e que me impediam de alinhar numa cena daquelas) e a certeza de que a minha recusa em intervir implicaria um rude golpe no futuro da pessoa em causa. Na prática, eu preparava-me para usar a minha influência sobre um amigo, um professor do liceu, para salvar o coirato de uma estudante que dependia em absoluto de uma positiva naquela disciplina para não marcar passo no oitavo ano da sua mísera escolaridade.
Na prática eu via-me obrigado a meter uma cunha e a alinhar assim num dos esquemas mais ordinários de promoção da mediocridade que o nosso país aprendeu em 48 anos de sono.
Mas à minha vontade de boicotar essa via indigna para fugir ao merecido castigo de uma moinante sobrepunha-se uma estranha noção do dever que me impunha.
E por isso decidi engolir o sapo uma única vez.

O meu amigo era um homem em condições, não duvidava, e isso fazia-me adivinhar que também ele se sentiria entre a espada e a parede perante o que tinha para lhe dizer. Li o desagrado na sua expressão, contrastando com o sorriso simpático mais o abraço com que me recebera, quando lhe expliquei o que me trazia à sua presença.
Deixou bem claro que a nota correspondente ao desempenho daquela aluna era a mais baixa possível (um numa escala de zero a cinco) e mesmo sabendo que a isso corresponderia uma raposa, por via de outras duas disciplinas com negativa certa, seria esse o seu critério. Se eu não estivesse ali a esgrimir argumentos em abono da jovem preguiçosa ou burra demais para aprender, utilizando a amizade como arma de arremesso contra os princípios daquele homem. E contra os meus.

Cedeu, por fim, e foi a última vez que voltei a ouvir-lhe uma palavra. Virou-me as costas sem me estender a mão e foi à sua vida. Eu fiquei sozinho à porta da sala dos professores, envergonhado pelo meu papel e incapaz de lutar pela relação com aquele amigo que hipotequei por terceiros.
Dias depois, a pauta comprovava que a minha iniciativa produzira o efeito pretendido. A nota positiva naquela disciplina, um milagre incompreensível para os que se haviam esforçado, garantia a passagem de ano e a continuidade da jovem no seu caminho rumo a uma licenciatura que até hoje, quase vinte anos depois, ainda não completou.

Existem várias conclusões a extrair desse episódio e eu tenho tentado interiorizá-las. Fui oportunista, recorrendo à minha influência sobre alguém para falsear uma verdade e as suas consequências. Fui fraco, deixando que a pressão de outros e o meu tique de salvador da Pátria se sobrepusessem ao que eu sabia ser a atitude mais correcta a tomar. Fui corrupto, ao alinhar numa situação que possui todos os contornos do que encaro como um dos cancros mais malignos para a saúde do meu país.
E fui estúpido, ao sacrificar uma relação e uma escala de valores em prol de um objectivo sem eira nem beira. Na defesa dos interesses(?) de quem, anos mais tarde, se transformou numa das maiores ameaças que na minha vida enfrentei.

Não sei se aprendi todas as lições que este episódio me podia ensinar. Mas aprendi algumas, como o teor do meu texto denuncia e o meu comportamento desde então confirma.
Contudo, ficarei sempre na dúvida e nunca pagarei a dívida que contraí perante o amigo que atraiçoei por algo que se provou não ter valido a pena.
Por alguém cuja ingratidão e incapacidade para fazer bom uso da goela que o destino lhe deu à minha pála me servirá para sempre de exemplo, de uma prova irrefutável do erro que cometi e nunca poderei repetir.

Por alguém que em troca desse meu "favor" (e de outros que nunca reconheceu) me tentou destruir.
E pelo menos em parte conseguiu.
02
Dez05

A POSTA NA ESSÊNCIA DA FELICIDADE

shark
nao ter medo.JPGAnd you kill what you fear and you fear what you don't understand.Genesis, Duke, Duke's Travels.
Ninguém entende o amor. Apesar de ao longo dos séculos muitos terem tentado explicá-lo, ou no mínimo traduzi-lo sob uma qualquer expressão criativa, não existe uma noção unanimemente reconhecida como definitiva a propósito da maior das emoções.
Para muitos, o amor é algo que se sente e pronto. Não há que tentar explicá-lo. Para outros, nem faz sentido aplicar essa designação aos seus enlevos passageiros, por muito forte que lhes bata o coração na presença ou na memória de outra pessoa.
Para a maioria, porém, o amor está presente qualquer que seja a intensidade ou a duração do seu envolvimento com outras pessoas.

Porém, a assumida (e generalizada) ignorância acerca do assunto pode (tem) um efeito pernicioso na atitude de quem ama(?). O medo do desconhecido é uma das reacções mais instintivas das pessoas. Assim sendo, o amor surge quase como uma ameaça a evitar, pela sua falta de razoabilidade, pelo seu impacto no comportamento de cada um e, acima de tudo, pelo desgosto que o seu fim pode acarretar em quem o assume.
O amor desorienta, perturba, exponencia as piores emoções. E por isso assusta quem se vê apanhado nesse turbilhão e imediatamente se sente tentado a negá-lo, para minimizar a importância dos seus afectos e poder mais facilmente abdicar de uma relação instável ou complicada de manter.

Na prática, este receio, esta aversão à carga pesada de um termo que diz "demais" acerca da ligação sentimental das pessoas está a matar o amor. Soa exagerado? Se insistirmos em renegar o conceito, aplicando-o apenas às relações ultra-apaixonadas, de longevidade promissora ou devidamente enquadradas num contrato matrimonial, estamos a afastá-lo aos poucos dos nossos hábitos e das nossas expectativas. Estamos a acobardar-nos perante a intensidade das emoções, reduzindo-as a uma expressão análoga que nos "desresponsabilize" relativamente às situações que enfrentamos nessa matéria.
E não é apenas uma questão de nomenclatura, é a agonia do romance à mercê do realismo que, afinal, apenas traduz uma visão pessimista do que se percepciona ao longo de um caminho, por norma, feito de desilusões.

Uma relação que não aceita o amor como ponto de partida para todas as explicações, para a sua própria justificação, é frágil, é fútil e não vale um caracol. Esta é a minha versão da coisa. Nem que dure dez minutos ou não mais do que uma intensa troca de olhares. Se mexe connosco ao ponto de nos baralhar as ideias, é de amor que se trata.
Não existe apenas um amor, pois este manifesta-se de imensas formas. Mais ou menos intenso, mais ou menos comprometido, esse factor desconhecido que nos une em ligações quantas vezes "impossíveis", essa atracção que nos empurra para os braços de alguém é sempre uma exibição clara do amor tal qual ele se revela. Inesperado, arrebatado, perturbador, quaisquer que sejam as suas hipóteses de continuidade ou de viabilização.

Claro que é mais fácil chamar-lhe paixão, ou outra coisa assim leve e fresca que lhe confira um cariz (alegadamente) temporário e mais "light". Contudo, essa porta aberta para uma retirada ligeira ou para uma manutenção sem amarras (porquanto liberal e moderna) possui um reverso da medalha.
Porque à fuga ao compromisso podem corresponder algumas tendências "libertárias" facilitadas pela ligeireza das designações e correspondentes graus de vinculação. Às vezes até passa apenas pelo "deixar cair" de alguns cuidados que de outra forma se justificariam como "acendalhas" de uma relação.

E existem sempre dois factores a ter em conta nestas equações...

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