As pessoas, nós todos, são capazes das coisas mais surpreendentes (aliás, a vida é cheia de surpresas). Não há dados adquiridos no que respeita ao comportamento humano, no melhor como no pior, sendo cada vez menos pertinente a expressão contrasenso.
De maus exemplos está o mundo cheio e basta reparar nos telejornais para deles tomar consciência, caso não sejamos nós os protagonistas - considerando as bizarrias que despontam nas parangonas, envolvendo cidadãos aparentemente "normais".
A normalidade, digo eu, é a loucura reflectida no dia-a-dia de cada um de nós, a exteriorização dessa estranha "felicidade" que meio planeta nos inveja (e com alguma razão, embora seja evidente o desperdício ocidental nessa matéria).
Mas também surpreendemos pela positiva. E hoje, inspirado na troca de comentários entre mim e o
Zé Quintas duas postas abaixo, decidi falar de duas surpresas de que dei conta e que me baralham no pessimismo que algures adoptei como regra em vez de prudente excepção.
Começo pelo comentário do meu antigo sócio na
Casa de Alterne.
O fim da parceria entre mim e o homem que recrutei da caixa de comentários do
Chez Maria para o "lançar às feras" na pele de blogueiro-autor aconteceu para mim de uma forma súbita, fortuita e inesperada. Um acidente, portanto. E nunca cheguei a entender o cerne da questão, embora desconfie que me caibam as culpas no cartório.
Certo é que esse processo de ruptura nos afastou de alguma forma.
Contudo, e como poderão constatar se tiverem paciência para ler o comentário mais longo que já escrevi, recebi do Quintas (o homem que fala montes de absolutamente de sexo, de crime e de outras barbaridades) uma intervenção com a qual não contava. Pelo tom, pela forma, pela surpresa de ver uma das pessoas a quem, tudo indica, desiludi (e vice-versa) esmerar-se por me contrariar a deserção anunciada.
É tão fácil deixar cair as pessoas neste meio... Basta o silêncio prolongado, a ausência de um contacto que constitui (como lá fora) a essência de qualquer ligação digna desse nome. E foi essa ligação que o José Quintas reactivou à bruta, provando-me errado numa data de conclusões a seu (a meu) respeito e, acima de tudo, revelando um conhecimento de causa que me partiu todo pois prova que o silêncio do Zé não implica o seu afastamento deste blogue (e da minha pessoa, por inerência).
Por tudo isso e porque sim, reabro as caixas de comentários (exceptuando a de alguma posta mais privada) até ao último suspiro do charco.
Tens toda a razão, rapaz.
O outro exemplo chega-me de um país distante chamado Butão. Nesta minúscula nação dos Himalaias, onde o progresso ainda não conseguiu impor-se com a mesma determinação com que nos inferniza, reina desde o início do século passado a família de Jigme Singye Wangchuck. E desde há 31 anos é ele quem ostenta o ceptro, a coroa e o poder efectivo no país.
Dificilmente um cinquentão com um nome tão esquisito e com residência no cu do mundo seria digno de menção neste blogue, mesmo sendo o líder de um povo qualquer.
Então, porque reúno o Zé Quintas e Sua Majestade El-Rei da Conchichina nesta posta?
Pelo efeito surpresa. Dom Jigme (na minha ignorância plebeia, julgo que qualquer rei tem o Dom), contemporâneo dos Saddam Husseins desta nova (des)ordem mundial que são corridos do poder a pontapé e à morteirada, anda pelo reino a fazer campanha... pela sua destituição do cargo!
É verdade. Sua Alteza, e não estou a ironizar, defende o fim da monarquia na terra onde reina sem contestação. Mais ainda, a população nem quer ouvir falar de tal coisa...
E a coisa explica-se pelo discurso do Rei a propósito do seu intento: "Nos tempos vindouros, se a população tiver sorte, o herdeiro do trono pode vir a revelar-se uma pessoa dedicada e capaz. Por outro lado, esse herdeiro pode ser um medíocre ou mesmo um incapaz". Assim, sem merdas.
Não pude reprimir a imagem do nosso Dom Duarte de Bragança, na minha reacção instintiva de republicano filisteu. A argumentação do monarca que defende a democracia parlamentar é, a meu ver, a mais simples explicação para o fim natural desse regime arcaico e sem qualquer viabilidade teórica ou prática. E não me venham com os exemplos de sucesso, como o Reino Unido ou a nossa vizinha Espanha, pois não é desse tipo de regência paparazzi que estou a falar.
Estou a falar do poder absoluto, concentrado nas mãos de uma pessoa, qualquer pessoa, só porque nasceu com o pedigree adequado, com o cu virado para o melhor lado ou porque numa terra de cegos quem tem um olho ou é um general influente ou apenas tem veia ditatorial é "rei".
E é desse tipo de poder que um homem digno da maior admiração se propõe abdicar, contra a vontade do seu povo. Apenas porque acredita ser o melhor para o futuro da nação.
Eu votava num homem assim para líder do meu país. Em havendo essa opção, ou uma (pelo menos) vagamente parecida.
E no Jota também, se ele não fosse um anarca tão despudorado...