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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

31
Dez05

A POSTA ROMÂNTICA (reposta)

shark
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Sou um dos raros privilegiados que, pelo menos uma vez na vida, conheceram o amor na sua vertente mais avassaladora. Os mais cépticos, coitados, desdenham da existência desta emoção única que pode nascer de um simples olhar. O amor à primeira vista não é um delírio romântico de telenovela. È possível, é real e constitui uma das impressões mais marcantes da existência de qualquer pessoa.
Eu concretizo melhor: receber no peito o impacto desse instante poderoso obriga-nos a reconhecer, entre outras maravilhas, a emergência do romance na vida das pessoas. E utilizo a expressão emergência no seu sentido mais comum: é urgente despertar para a falta que o amor faz.

No preciso momento em que, entre centenas de rostos, o meu olhar se concentrou apenas num, descobri a essência desse impulso irresistível que nos empurra para os braços de outra pessoa. O meu arquivo blogueiro fala por mim no que concerne às muitas fés e ideologias a que nunca me converti. Sou um agnóstico, por regra pessimista e pouco dado a mares de rosas com perfume de utopia. Nesse sentido, nunca acreditei e nunca acreditaria num conceito como o do amor à primeira vista se não tivesse sido abençoado com a sua aparição. De rompante, um rosto de mulher tomou de assalto a minha descrença que outros rostos de mulheres por quem me apaixonei, ou algo parecido, nunca contrariaram. Sem apelo, rendi-me ao halo de luz e nada em meu redor continuou a fazer parte da realidade tal como eu a experimentei na altura.
Era ela e mais nada ou alguém. E eu com o coração a galope, desorientado mas com a plena consciência do que me estava a acontecer.

Nada poderia atravessar-se no meu caminho quando furei a custo o mar de gente para me aproximar do ser humano que, até este dia, maior abalo me causou nas fundações. Ninguém poderia disputar a sua atenção nesses minutos de que eu dispunha para entrar na sua vida como ela já se instalara de armas e bagagens na minha. Numa tirada infeliz um amigo colocou-me a seguinte questão: e se eu descobrir um dia que ela é o amor da minha vida e quiser disputá-la? E eu respondi de imediato, falou o coração. Desistes ou morres. E não lhe restava mesmo outra alternativa, enquanto ela me quisesse como eu a queria e viria a acontecer.
O amor à primeira vista é como um relâmpago que nos atinge, alta voltagem de uma corrente de paixão. É talvez, tal como faço questão de a recordar até ao fim dos meus dias, o vislumbre mais aproximado que terei de Deus se Ele existir sob esta forma - como gosto de acreditar à revelia da minha apregoada falta de fé.
É esse o fundamento da minha perspectiva romântica das relações amorosas entre as pessoas. É por isso que afirmo sem hesitar que a cada esquina da vida, sem qualquer esforço de procura, pode encontrar-se o amor de uma vida. E quando isso acontece, podem ter como certa uma coisa: a gente percebe na hora do que se trata.

(BOM ANO!!!) :-)
31
Dez05

ANO (DE) NOVO

shark


Não faço balanços nem invento bem-intencionadas resoluções de Ano Novo.
Sou quem sou, aquela que sempre fui e que continuará a ser depois de passada mais uma página do calendário. De 31 para 1 do ano da graça de 2005 para o de 2006. Igual a tantos 31 para 1 de tantos meses, dos 41 anos que vivi até hoje.
Não abro champanhe nem sopro cornetas de papel ou danço sob uma chuva de papelinhos brilhantes. Sou capaz de ver o fogo-de-artifício.
Não tenho ilusões de me tornar melhor do que sou, de sorrir mais vezes que aquelas que estarei de neura, de amar mais ou de maneira diferente do que tenho amado.
Será o que tiver que ser, aquilo que eu souber e quiser fazer, 365 dias que hão-de passar tal como passaram os anteriores e os outros antes desses. Pode ser que me apeteça viajar até à lua, saltitar pelas poças de chuva ou colher flores raras para oferecer a alguém. Ou não.

Serei igual a mim própria, poço de virtudes e defeitos, caminhando pela vida com um único objectivo: o de fazer felizes os que dependem de mim. E, se o conseguir, isso chega-me.

A vocês, desejo-vos tudo o que mais ambicionem.

Mar
30
Dez05

PAGO A PRONTO (reposta)

shark
agrafador13.gif
Queria que a verdade prevalecesse. Integra, total. Não gosto de meias verdades e encaro como repugnantes as mentiras por omissão ou as mentiras piedosas que se utilizam para escamotear as realidades que queremos ver escondidas no fundo do baú. Como em qualquer mentira, afinal.
Não entendo porque fugimos como coelhos assustados para uma toca qualquer, sempre que não conseguimos enfrentar as consequências do que fomos na interpretação do que somos e do que afirmamos ser. Não entendo porque hipotecamos a confiança dos outros por medo das nossas revelações. E nem quero entender.

Queria apenas que a verdade servisse em todas as ocasiões e não apenas nas que nos servem qualquer propósito, legítimo. Queria que as mentiras e as omissões não minassem a confiança total que gosto de depositar nas pessoas, não me obrigassem a todo o instante a analisar incongruências e a pedir para elas uma justificação. Que chega trapalhona, envergonhada, camuflada num lapso de memória que alivia o desconforto de quem prefere fugir.

Queria que a coragem andasse de mãos dadas com todo o tipo de emoções. A verdade surgiria como uma consequência natural, pois a mentira e a sua amiga omissão servem apenas como tábuas de salvação efémeras para o que a vida se encarrega de descobrir, depois. Por acaso, ou talvez não...

Queria que os outros não receassem arriscar, que apostassem na minha lealdade, na minha capacidade para ser o fiel depositário de todos os seus medos, de todas as verdades temidas que só não corroem quando expurgadas, quando contadas a quem as mereça e saiba ouvir. As mentiras, como as omissões, posicionam-se num espaço negro da nossa consciência e envenenam-nos as reacções. Ficam demasiado próximas da traição.

Queria que as coisas acontecessem com espontaneidade, coerentes, frontais. Que as peças do puzzle não fossem apenas pedaços mal encaixados pelo esforço inútil do meu raciocínio ou da minha imaginação. Queria a confiança dos outros para lhes poder provar a minha, sólida e incondicional.

Tenho para mim como certa uma vida feita de utopias, de ilusões, de histórias mal contadas que me induzem à desconfiança e ao temor.
Nunca saberei perdoar a quem algum dia me enganou, nos pequenos detalhes como nas coisas relevantes. Não sei perdoar a cobardia nem recuperar a confiança que me escamoteiam.
Não sei entregar-me às prestações.
29
Dez05

DO EGO E OUTROS BRÓCULOS

shark
botox.gif


Uma massagem ao ego é como uma injecção de Botox: distende as rugas da auto-estima, preenche os interstícios dos tecidos que murcharam sob um qualquer efeito temporal ou outro, produz uma aparência lisa e lustrosa, uma ilusão de ar saudável com uma duração a prazo.
Há quem domine esta técnica à custa de muitas horinhas de queimar pestanas a ler publicações começadas por "Como conseguir o seu..." e terminadas em "...em 3 meses." e assim obtenha, a espaços, a efémera sensação de ter conseguido o objectivo a que se propôs. Nada mais errado...
Pois o chato nisto é que requer uma persistência que garanta a continuidade do efeito. E nem sempre é possível praticar a coisa.
E é triste constatar o alheamento de quem ocupa os seus dias a afinar as técnicas, escolher as agulhas e preparar o material entre uma massagem e outra. É que entretanto, o alvo do tratamento tem uma vida que decorre, alegrias e tristezas, passeios ao pôr do sol e banhos de espuma, jantares à luz de velas e noites de sexo, trabalho e lazer e amigos e amantes e inimigos e outros mais.
Que dele disfrutam. Enquanto o pobre "ténico" massajador apenas sonha com a próxima vez em que o há-de apanhar sobre a sua asséptica marquesa...

Mar
28
Dez05

PEÇAS

shark

Somos como peças de uma engrenagem, rodas dentadas encaixando umas nas outras com precisão milimétrica. Cada uma tem um papel a cumprir para garantir o funcionamento da máquina, sem quebras de ritmo ou deficiências de resultado final.

O que nos distingue dos outros materiais, do metal, da madeira, é a capacidade que temos de adaptar o nosso desempenho, de cada vez que detectamos uma falha no processo de sobrevivência. Moldamos a parte que destoa, a aresta que arranha, o rombo no contorno. E, assim, como se de plasticina fossemos compostos, adequamos de novo a forma ao efeito pretendido.

Tenho vezes em que gostava que fôssemos eremitas no topo da montanha. Vivendo em comunidade com o vento e a folhagem, as formigas e a água da nascente.
Apenas nós e os deuses.

Mar
27
Dez05

OLIVEIRINHA DA SERRA (reposta)

shark
cemitprazeres.jpg
O meu primeiro contacto com a pornografia, através de uma revista da especialidade obtida por um colega, aos treze anos, foi um momento de grande alegria, quase uma revelação.
Pela primeira vez eu pude constatar a viabilidade de algumas das minhas mais arrojadas fantasias, até essa altura tão líricas como a hipótese de vir a ser capitão da selecção nacional de futebol. Uma coisa é a gente ouvir dizer da boca de putos como nós, ouvirmos falar das piruetas possíveis a três ou da feliz parceria de números tão insuspeitos como o seis ou o nove. Outra coisa era ver como São Tomé e acreditar tanto que a vontade intensa de experimentar as acrobacias até nos fazia doer a alma.

A pornografia representava para mim um manancial de novas técnicas, associado à reprodução mais ou menos realista de alguns conceitos ‘missionários’ tradicionais. Nada me entusiasmavam alguns dos seus tiques clássicos de abertura ou dos rituais excessivos e insistentes no encerramento das actuações. O meu objectivo consistia em reter, do muito e diversificado material hardcore que passei a coleccionar, as práticas realistas que pudessem alargar os meus horizontes no futuro e afastar, da minha vida sexual ainda em fase de estreia, o papão horrendo da monotonia.

De entre as mais escabrosas ou surpreendentes produções que o mundo XXX me facultou retive sempre um manual que lamento ter-se perdido no decorrer de alguma rusga maternal. Datado do início da década de setenta, o livro combinava textos com ilustrações mas só estas últimas podiam considerar-se pornográficas. Era mesmo um manual de competência técnica, um verdadeiro sex for dummies.
Algum Zézé Camarinha cámone com jeito para a escrita e vocação para consultor, do qual nem o título da obra me ficou, deixou-me para sempre na ideia e na lembrança um exercício que, na minha lógica adolescente da época, fazia todo o sentido levar a sério.
De resto, o autor afirmava-se feliz por poder partilhar o seu método com o mundo e fazia-o com tal convicção que, apesar de não me converter a algumas contorções manhosas, convenceu-me a adoptar o treino das azeitonas.

O treino consistia em girar diariamente uma azeitona entre os dentes, com a língua, por cerca de meia hora, sem a descascar ao longo do exercício. Também dava para fazer com uvas, mas só numa fase mais adiantada do programa (devido à maior fragilidade da respectiva casca). E o experimentado (e, nas suas palavras, bem sucedido) atleta de alcova explicava, por a mais b, os proveitos que resultavam dessa pachorra shaolin, a subida em flecha da cotação de um amante rotinado na arte de bem rodar uma azeitona sem lhe danificar a pele.

Hoje já me resta pouca paciência para a pornografia, até porque as melhores e mais adequadas práticas aprendem-se no mundo real. Mesmo as inovações encontram na pornografia alguma resistência, pois os empresários do ramo parecem determinados em manter a receita (ainda hoje) ganhadora. Apesar de não ser um entusiasta do género nesta fase da minha progressão na aprendizagem, gostava que os putos de agora tivessem acesso a qualquer coisa que equivalesse ao meu manual de treino com azeitonas. Porque nem todos conseguem compreender que a pornografia não deve ser levada demasiado a sério e isso, manifestamente, gera desvios comportamentais pouco saudáveis e que o meu mestre ‘azeitoneiro’ jamais recomendaria.
26
Dez05

CONTO DE NATAL II

shark
A criança tinha cambaleado sem tino pela savana ressequida. As pernas como dois finos ramos de árvore, quase sem forças para aguentar com o peso da lustrosa e proeminente barriga. Não sabia o que procurava, apenas caminhava, só a força do instinto de sobrevivência prendia ainda aquele corpo mirrado, a uma réstea de vida. Teria uns seis anos, embora não aparentasse mais do que três: a subnutrição não deixara que os ossos se desenvolvessem até ao tamanho normal para a idade.
Tinha pais e irmãos e tios e primos, pessoas que a amaram enquanto ainda conseguiram sentir algo mais do que o estômago colado nas costelas, antes de a malária as ter confinado a uma cama no pequeno hospital de campanha ou a SIDA as ter levado para um lado melhor do que aquela aldeola perdida nos confins de África.
Teria sido um menino normal, com um sorriso alvo e pequenos caracóis, teria gostado de fazer as coisas que fazem todos os meninos, jogar ao pião e ao berlinde, construir carrinhos de madeira e brincar às escondidas, poderia ter sido um engenheiro ou arquitecto famoso ou o médico que iria descobrir a cura para muitas doenças. Se tivesse nascido no Hemisfério certo...

Mas não. Fora apenas uma de entre os milhões de crianças que nascem e morrem no continente africano, como estrelas breves que povoam os céus para logo desaparecerem.
E agora era já uma sombra de ser humano, tombada no pó da planície, indiferente ao calor e à sede e ao magnífico pôr-de-sol que o fotógrafo capturara, minutos antes de a encontrar. Mais ao grande pássaro, à espera.


* a partir de uma idéia original do Sharkinho.

Para que nunca nos esqueçamos que lá também é Natal.

Mar
26
Dez05

E AGORA

shark
que a data já passou,



o trabalho nos espera,




mais as caras dos mesmos colegas de sempre,




e ainda os chatos do costume...






...será que JÁ PODEMOS VOLTAR AO NORMAL???


*(A porra do C em cima dos bonecos, a estragar tudo, tem a ver com os direitos de imagem, e as ditas cujas encontram-se aqui)

Mar
24
Dez05

shark


para que não se pense que aqui mora uma insensível, desnaturada, rezingona, mal-humorada e que odeia o Natal.
Nada disso. Ser do contra é uma coisa, ser aquelas coisas todas é outra.
( a casa cheira a azevias e arroz doce, soam sinos e refrões de Natal e as latas de leite condensado estão a cozer. É o que isto tem de bom!)

JINGÓBEL para todos!

Mar
23
Dez05

CONTO DE NATAL I

shark


Ou de como sou do contra. Ou ainda porque não me apetece fazer de conta que no Natal deixa de existir o lado negro do mundo só por causa das luzes e das renas e do outro vestido de vermelho, mais dos mérriscristmas e votos de paz na terra aos homens de boa vontade (e os outros??). Ou então porque sou uma ateia que há-de arder nas chamas do inferno e eu ralada com isso.
Ou só porque me apetece, e pronto.


Ainda tinha tentado reconhecer-se, numa encarquilhada fotografia do casamento. O ramo de rosas amarelo-pálido, levemente descaído sobre a seda selvagem do vestido. O reflexo do flash nos olhos, brilhantes, do choro nervoso que a consumira horas antes do momento mais importante da sua vida. Brilhantes agora de novo, do amor que a inundava enquanto sorria para o retrato, da paixão por aquele homem que lhe segurava ternamente no braço. Incendiados, os olhos, do calor que já a possuía e se espalhava por todo o seu corpo como lava vagarosa, só de antecipar a sua primeira noite enquanto marido e mulher, ele a invadi-la, as mãos nas ancas a agarrá-la com firmeza e os cabelos espalhados no seu peito.

Ainda tinha pensado que amanhã era outro dia, já sem a raiva silenciosa pelo cheiro de perfume barato nas suas camisas, que às noites sem dormir e o corpo seco, consumido de ausência e desilusão, se seguiriam noites de corpos encaixados um no outro como metades de um mesmo fruto e dias de cheiros mornos de peles saídas do banho, café e sexo acabado de fazer.

E então, recordou o dia em que lhe dissera, desfigurada de lágrimas e dor: "Olha para mim! Pinto-me para que o meu verdadeiro rosto não fique pendurado na tua memória como uma tela esquecida". Ele tinha olhado para ela em silêncio, como se visse através dela e, com gestos precisos e de uma lentidão cruelmente propositada, sem despegar os seus olhos dos dela, pegara nas malas e saíra porta fora, para dentro da noite, para fora da sua vida.

Sorriu. Antes um esgar dolorido, que lhe percorreu as feições finas e cansadas. Ergueu o copo semi-cheio e, num brinde mudo, engoliu a cápsula de cianeto com o champanhe francês que lhe restava.

Mar

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