Foto: sharkinhoIa falar convosco acerca do amor, mas
este gajo antecipou-se (vale a pena ler, asseguro). Por isso falo da amizade, que até é coisa parecida.
Aliás, nem é tema virgem no charco. Com o fim aparente das relações "para a vida", à medida dos tempos individualistas e apressados que se vivem, nasceram novas regras para esse tipo de ligação que todos mantemos com alguém.
Uma ligação frágil, na maioria dos casos, bastando uma alteração de morada (ou de email?) para extinguir em pouco tempo os vínculos conquistados em meia-dúzia de anos (ou de meses?) de perseverança.
Tememos a amizade mais do que o amor e isso traduz-se numa superficialidade que parece "proteger" os elos entre as pessoas. Como se ir mais além fosse exactamente o mesmo que ir longe demais.
É esta a percepção que desenvolvo quando me apercebo do muito de mim, bom ou mau, que não partilho com os que chamo amigos mas não nego a quem chamo meu amor. Como se mais de mim pudesse saturar a outra pessoa, que faz o favor de me seleccionar como companhia para uma noite de copos. Mas não está disponível para me aturar os desabafos ou sair da cama de madrugada porque tive dois furos seguidos nos pneus.
Não está disponível para outro lado de mim que não aquele que a qualquer conhecimento de ocasião consigo oferecer. Esbatem-se deste modo as diferenças entre quem frequenta a minha casa e quem comigo gasta umas horas à mesa de um café.
E a passagem do tempo parece não ajudar, como há uns anos eu tinha ideia que acontecia. A intimidade não se cria, nem se fomenta, e qualquer conflito mais sério arrasa uma relação, pela surpresa. "Não te conhecia essa faceta", dizemos na altura. É essa a raiz do problema. Desconhecemos uma parte importante do carácter das pessoas em quem depositamos a nossa confiança e depois reagimos de forma hostil perante as constatações menos agradáveis.
Eu alimentava a noção de uma amizade que se fortalecia com bons momentos, conversas sérias e reacção às aflições recíprocas, por exemplo. A noção está a soro, convalescente, muito diferente nos anseios e nas emoções. E eu constato nos outros o absoluto desinteresse pelas minhas preocupações e o meu pelas suas, salvo mui raras excepções.
Este é um assunto que não admite quaisquer juízos de valor, cada um sabe de si e, tal como no amor que o Eufigénio hoje descreve à sua maneira, não existem realidades universais. De resto, ambos sabemos que uma amizade sem substância é nado-morta. À espera de um desentendimento ou de uma embirração que até podem resultar meras de falhas na comunicação.
E isto leva-me à amizade entre quem bloga, feita de um grau de proximidade virtual que raramente se traduz na vertente analógica. Pés de barro à mercê dos equívocos da linguagem escrita, onde pinceladas rimam com marteladas e de repente o caldo entorna sem sabermos exactamente como e porquê. Na inimizade também funciona um pouco assim, connosco a percebermos de repente a dimensão da nossa estupidez, do desperdício que pode resultar de uma simples divergência mal conversada.
A amizade séria e empenhada, um monstro sagrado de qualquer escala de valores, parece-me apenas um nadinha despida de relevância no contexto das relações sociais. Secundária, dispensável até. E não devia, pois reduz-nos a um lote restrito de referências que ainda alimentam a ilusão um ano sem contactos depois, empurra-nos aos poucos para uma estranha forma de solidão acompanhada.
E como algures já postei neste blogue (num cartaz ou coisa que o valha), e vale para a amizade como para o amor, nunca se está tão sozinho como quando somos dois com a pessoa errada.