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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

24
Out05

A POSTA DE PAI

shark
Hoje é um dia muito especial para mim. Há precisamente seis anos aconteceu o mais importante momento de toda a existência que conheci. Foi às cinco da madrugada, mas por um lapso de uma médica tonta só tomei conhecimento dessa alegria duas horas depois. Chorei copiosamente e sem controlo como nunca antes me acontecera, emocionado.
Ela entrou na minha vida à pressa, sem pachorra para esperar pelo contacto com o mundo cá fora como o seu temperamento justifica. Tem sede de viver, sôfrega de emoções.
É uma lutadora, talhada à medida do tempo que a acolherá.

De mim herdou o desenho dos lábios e um feitio levado da breca, mais o culto da palavra que faz questão de salientar. Adora aprender o significado do que se diz e nunca utiliza um vocábulo a despropósito. Uma mania que também eu exibi em pequeno e, de alguma forma, me acompanhou ao longo do caminho. Coisas que os genes sabem explicar. Mas eu explico-o pelo amor de pai, pela sensação estranha de não existirem diferenças que nos distingam, de naquela pessoa existir tanto de meu que tocar na sua pele é como tocar na minha. Mas muito mais agradável.
E adoro a sua voz, a cor do cabelo, o sorriso desdentado, a expressão profunda do seu olhar. Perco-me a observá-la, enquanto cresce tão de repente que mal tenho tempo de processar as transformações que nela o denunciam. Ainda na minha ideia a sua figura minúscula de prematura com menos de dois quilos à nascença mal se consolidou (que saudades dos banhos que lhe dava como se tivesse nos braços uma boneca de cristal) e já dou comigo a olhá-la enquanto faz os trabalhos de casa, compenetrada, numa etapa bem avançada do seu processo de formação.

Esforço-me para fugir à versão lamechas que traduziria o sentimento que me invade neste instante, para conter as palavras que expressem a magia deste amor descomunal que me domina. Se calhar não consigo e por isso fico por aqui, deliciado com a imagem de um rosto que hoje ocupa quase a totalidade da minha carola.
E partilho convosco, aqui em baixo, a interpretação que a minha herdeira faz do seu pai tubarão. Babado como nenhum.

pai shark.JPG
23
Out05

A FUGA DAS GALINHAS II

shark
ganda galo.jpg
Acabaram as aventuras promíscuas nos arrebaldes dos galinheiros nacionais. Chorosas, as galinhas veêm-se enclausuradas e assim privadas do contacto esporádico com as aves de arribação.
Para os galos, sempre ciosos da sua exclusividade territorial, a gripe das aves constitui uma boa notícia. Mesmo que lhes custe a perda de um dos seus ofícios, o de despertadores naturais, e assim aumentem as probabilidades de acabarem no tacho. O instinto de posse que os atormentava sempre que as levianas se aproximavam envergonhadas dos patos-bravos, das andorinhas macho e, pior ainda, dos belos cisnes que as impressionavam com a elegância do seu porte, sobrepunha-se ao medo de se verem enfiados no galinheiro a aturarem os cacarejos incessantes do seu harém.

Entristecidas, as ovíparas viram-se privadas de uma das suas maiores alegrias: a de assistirem ao regresso triunfal dos seus amores de Outono, os que escapavam à mira dos caçadores estúpidos e incapazes de distinguirem uma águia de uma perdiz. Nem os carteiros (pombos-correio, claro) quebram agora a monotonia do aviário, dias a fio sem notícias da passarada vai-vem que planava graciosa no céu.
Nem comem, coitadas, entediadas pelo piar ensurdecedor dos pintaínhos e apoquentadas pelo ar machão dos galarós de crista murcha que lhes surgem como única opção. Uma rapidinha à galo e pouco mais, espreitando com tristeza pelas redes de protecção os papagaios selvagens (excelentes conversadores), o imponente pombo torcaz ou mesmo, à falta de melhor, uma codorniz mais atrevida...

Corre-lhes mal a vida e ninguém pode valer-lhes nesta época conturbada. Lá fora, os gansos recordam-lhes aventuras escaldantes que nem de perto viviam (nem mesmo com um galo capão) nos dias saudáveis e livres da gripalhada transmissível e mortal que as privou de se exibirem em feiras e exposições. Nada para lhes quebrar a rotina poedeira, um namorico à maneira, a monogamia forçada numa existência confinada. O sol aos quadradinhos, o adeus aos patinhos multicolor e a todas as aves migratórias (qualquer ave que migre periodicamente - resolução 004, de 18/09/85, do CONAMA, Brasil). Da tia, pensam os galináceos portugas que já nem nas churrasqueiras têm a saída de outros dias...

Os humanos, a braços com a peste suína, as vacas loucas e mais uma carrada de preocupações alimentares, andam alheios ao drama dos galinheiros, na busca desesperada de uma vacina que lhes salve o fricassé e a canja. Mas a solução para o problema das galinhas ninguém arranja, privadas do amor ocasional com alguma ave sensacional e cheia de histórias para contar.
E elas a definhar, num triste cacarejo, aguardam uma porta entreaberta, aproximam-se da mais esperta e espreitam a hipótese de fuga que possa surgir.

Voando baixinho em sonhos, à socapa, anseiam recuperar um dia a boa vida que agora lhes escapa.
23
Out05

A POSTA NO MANU

shark
par avion.JPG
Arranjar motivação para traduzir aquilo que alguns bloggers escrevem em português já requer por vezes mais paciência do que a que consigo arranjar. Nunca me passaria pela cabeça frequentar um blogue estrangeiro, escrito numa língua que não domino e mesmo assim encontrar motivação para o acompanhar.
E muito menos seria capaz de comentar esse blogue na minha língua-mãe, arriscando no mínimo a indiferença dos anfitriões.

Por isso mesmo, não deixo de me surpreender agradavelmente com o esforço que o Manu aplica na sua qualidade de visitante e de comentador(!!!) do Charquinho. O Manu é francês e, não sei como, veio parar ao charco e tem vindo a acompanhar-nos com intervenções que mostram que percebe tudo o que se passa, mesmo nas entrelinhas...

É algo que me provoca orgulho e admiração. E por isso, não posso evitar dedicar-lhe uma posta de boas vindas como deve ser. Tem sido um amigo desta casa e merece a minha maior consideração.

Assim, é com todo o gosto que vos convido a conhecerem o blogue do Manu (onde tive a honra de ser o primeiro comentador) e descobrirem o seu talento para retratar a terra onde vive.
Ao contrário de mim (o que deve dificultar ainda mais a sua tarefa de tradução) ele não se alonga em "lençóis" e é fácil de ler.
Na minha opinião, esta presença do nosso colega de França ilustra o potencial da internet em geral e da blogosfera em particular para quebrar quaisquer barreiras que nos afastam da gente boa que se encontra em qualquer lugar.
Cliquem no linque acima e vão lá dar um abraço (em português ou em francês) a este colega cuja atitude me parece, a todos os títulos, de louvar.

Merci, Manu!!!
19
Out05

PROXIMIZADE ABSOLUTA

shark
salva vidas.JPG
Apenas para que ninguém fique com a ideia de que o Proximizade (o blogue que nasceu umas postas atrás) está "pendurado" e que não teria passado de uma euforia passageira, quero aproveitar esta posta para confirmar a todos(as) quantos(as) tomaram contacto com essa vontade por nós manifestada que, sem dúvida, trata-se de uma realidade que a nossa blogosfera está a produzir. Ou seja: a ideia não morreu e está em ebulição no local apropriado.

Por uma questão de eficácia, reduzimos a actividade inicial de estruturação do projecto a um grupo de voluntários(as) cuja dimensão permite a troca de informação numa "mailing list" (o que seria quase impossível num colectivo de maiores dimensões - somos dez nesta fase) e por telemóvel, as únicas formas viáveis para um grupo de gente que bloga em diferentes pontos do país poder acertar as agulhas necessárias.

O blogue já existe fisicamente e está em fase de "retoques". Da sua estrutura e objectivos, bem como da organização do trabalho do grupo inicial (que iremos alargar esta semana com os "reforços" em stand by), consta a nossa tarefa nesta altura e essa não tem, naturalmente, qualquer visibilidade que vos possamos transmitir.
De resto, uma iniciativa que se pretende credível e funcional é complicada de definir e trazer à prática quando sabemos que todos têm as suas vidas para atender e o trabalho é desenvolvido à distância.

Tudo isto para renovar o convite a todos(as) quantos(as) se sintam disponíveis para colaborar e ainda não o tenham feito por julgarem que o objectivo parou no tempo: proximizade at gmail.com é o ponto de encontro das vontades que se pretendam manifestar. Toda a ajuda é bem vinda em qualquer das equipas que estamos a constituir, sobretudo quando já é ponto assente que o Proximizade estenderá o seu âmbito a uma multiplicidade de causas de âmbito nacional e internacional.
Qualquer pessoa (com ou sem blogue) pode oferecer-se para colaborar com parte do seu tempo para a construção desta iniciativa que, recordamos, visa disponibilizar um espaço dinâmico de canalização de apoios para instituições de índole humanitária que cuidaremos de seleccionar com o máximo rigor possível.
Por outro lado, tencionamos direccionar a nossa actividade para a divulgação e a intervenção directa no apadrinhamento de crianças em países onde a fome e a pobreza grassam sem fim à vista.
No fundo, propomo-nos mobilizar a blogosfera (e não só) em torno da necessidade premente de acabar com a atitude passiva que está a deixar morrer uma parte do mundo que partilhamos.

Dentro de dias, o Proximizade será inaugurado e contamos com o vosso suporte para a respectiva divulgação no momento oportuno.

Contamos convosco para transformar esta ideia num sucesso.
E o sucesso mede-se em sorrisos da esperança que é urgente motivar.
18
Out05

SANTO NÃO SOU

shark
pedra no sapato.JPGFoto: sharkinho
Tinha cerca de oito anos. Acabado de chegar à rua, descobri um aglomerado de malta amiga nem cem metros adiante. Reinava uma estranha agitação na miudagem e eu, claro, apressei-me a chegar junto do acontecimento que tanta algazarra provocava naquela pequena multidão de gaiatos como eu.
E a malta gritava: "Atrasado! Atrasado! Maluquinho! Maluquinho!". E eu juntei a minha às suas vozes esganiçadas, ainda mal percebera a quem se dirigiam as invectivas do pessoal.

No meio da turba, assustado, um jovem com talvez dezasseis anos na altura pedia com o olhar que o deixassem em paz enquanto avançava a custo para uma fuga impossível de concretizar. Todos os que o perseguiam corriam mais do que ele alguma vez seria capaz.
E a malta gritava, gozava, aqui e além uns empurrões. E ele cada vez mais aflito, sem escapatória, procurava em vão alguém que lhe valesse naquele cerco de neandertais.
Ninguém mexeu uma palha, adultos à janela e gente que passava ao largo sem ligar. Indiferentes àquele olhar. Como eu, que o fixava enquanto gritava e não percebia que a loucura estava do nosso lado afinal.

Formou-se uma pequena clareira em seu redor e ele, desesperado, aproveitou para deitar a mão com extrema dificuldade a uma pedra solta da calçada que descobriu no chão. Todos bateram em retirada e eu não, deixei-me ficar a uns dez metros do rapaz, atrevido, desafiador, exibindo mais uma vez a minha ousadia aos putos que precisava impressionar.
A pedra da calçada voou. E pouco tardou até o sangue jorrar em profusão do lenho que na minha cabeça abriu aquela lição.
Como se o destino me quisesse ensinar aquilo que escapara aos meus progenitores, o respeito pelos diferentes de mim.
Aprende-se depressa assim.

Transportado de urgência para uma clínica próxima do bairro, um enfermeiro desajeitado coseu-me a ferida com oito pontos a sangue frio. Mereci a dor que cada um dos furos no couro cabeludo ensanguentado, cabelo rapado, aquela agulha de sapateiro me provocou.

À moda siciliana, logo se preparou o ajuste de contas com a família do agressor. Que não se concretizou. Porque eu, ainda atordoado, troquei as voltas à situação. Avancei para o rapaz e estendi-lhe a mão, pedi-lhe desculpa pela forma bruta como o tratei. E ele, lágrimas nos olhos, retorquiu descoordenado, dedos crispados pela sua paralisia cerebral.
O assunto morreu ali.

Ainda hoje me perturba o personagem que vesti, o mais duro do gang que se reuniu para a vergonha que protagonizei. Nem no arrependimento me consolei. Mas aprendi.
Ainda hoje me revoltam os gestos de gozo dos canalhas como eu fui, as brincadeiras de mau gosto dirigidas por despeito a quem merece o respeito que a diferença ou a desdita nunca justificam renegar.

Ainda hoje não me perdôo pela atitude que tomei.
Da mesma forma não hesito em punir os que ignoram essa regra que a vida me ensinou. Dedico-lhes o ódio que a mim próprio dirigi. A revolta que senti, acumulada pelas injustiças que já testemunhei desde esse dia que me embaraçou e no corpo me marcou a lembrança do castigo, é hoje canalizada para a fúria mal controlada que não me torna um homem melhor.

Assumo que não sei perdoar quem se comporta de forma tão vil.
Assumo que não sei ignorar a chacota debochada de quem algures perdeu o rasto à decência.
Assumo, para minha vergonha, que nessas circunstâncias a violência afigura-se solução.

Para os que abusam da falta de princípios e enxovalham ou agridem (directa ou indirectamente) os que não se podem defender eu assumo: trago sempre uma pedra na mão.
17
Out05

A POSTA COLUMBÓFILA

shark
com caganssa.JPGFoto: sharkinho
Tenho imensas saudades de jogar xadrez.
Mas quando olho para o ar imbecil do adversário virtual, um computador sem rosto nem alma, falta-me a pachorra.
Às vezes dá-me vontade de lhe espetar um murro no monitor, mas isso não abonaria da minha capacidade de desenhar uma estratégia inteligente e ganhadora. E podia custar-me um dinheirão.
Vou aguardar por um momento mais propício e um destes dias dou-lhe o xeque do costume, com a minha rainha.

Era mais giro se fosse um daqueles computadores que aprendem com as próprias asneiras, capaz de ocultar os calcanhares de aquiles, pois assim farto-me de vencer sempre com a mesma jogada...

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