Foto: sharkinhoÀs vezes apetece-me rasgar com palavras este fundo branco que nos serve de papel virtual. Ou pincelar com fúria manchas de cor escritas a partir da minha vontade de agredir o branco com explosões de prosa. Cobri-lo de uma ponta à outra com algo que o envergonhe da sua inexpressividade e o faça engolir o desafio, o do vazio que se encontra quando uma nova folha nos domina o monitor.
Branca e sem nada para nos dizer. À espera do que vier. Parada.
Penso na forma adequada de enfrentar a situação, um tema à maneira ou uma história porreira. Mais uma foto catita ou uma imagem bonita para agradar a quem a possa ver. A esta folha rasgada, mal ou bem, pelas palavras tecladas por mim. Que os teus olhos acabam de ler. Nada a fazer, o fundo branco acinzentou. Salpiquei-o com o sangue preto que as palavras espalham no simulacro virtual de papel. Cortes horizontais, para que por detrás de cada linha, de cada frase, possamos imaginar um ocaso magnífico ou qualquer outro retrato que ocorra à imaginação. E disso se trata, de cada vez que enfrentamos este manuscrito electrónico na arena da criação. O branco desarmado contra o gume afiado das palavras que o rasgarão em pedaços de gente falada em português.
Podia contar-vos uma história, das muitas que as pessoas nos dão. Coisas da vida. Ou podia dissertar de forma apaixonada acerca de um tema que me seja caro. Com a convicção de quem esgrime um punhal diante da tela vazia. Podia simplesmente partilhar convosco emoções. Coisas da vida também, coloridas. Na primeira pessoa ou mesmo na condição de
voyeur. Mas não o farei desta vez.
Apenas vos exprimo a minha vontade de atacar esta coisa branca que me intimida porque me afasta de cada um de vós, enquanto descubro como a preencher em condições.
E depois a dor de perceber, às vezes, que não valeu o sacrifício da folha postiça. Um remorso, por manchar de cinzento a ausência de cor, em vão, e afinal comprometer a aproximação desejada. Contigo, que lês estas palavras que espalhei pelo monitor, sejas quem fores, em busca de algo diferente que eu tenha para te oferecer em troca do tempo que me dás.
Mas hoje, nesta posta de recurso, a folha branca sou eu.