Foto: sharkinhoA conversa estava animada. Eramos quatro homens a falar acerca de gajas (tinham-se esgotado entretanto os assuntos futebol e automóveis) e nesse tema tão importante todos (julgamos que) temos algo de significativo para dizer.
Claro que cada um contou as suas histórias, verdadeiros épicos da sexologia, até ao momento em que um de nós decidiu assumir um "flop" (coisa rara). Os restantes, eu incluído, silenciaram em absoluto para ouvir o desabafo sincero de um macho que se preparava para explicar um fracasso na cama.
Ainda por cima estava em causa uma daquelas mulheres que fomentavam o consenso: boa comó milho, linda e com uma postura irrepreensível que lhe garantia o respeito de cada um nós. Uma mulher invulgar. E o nosso amigo Carlos M. tivera a sua oportunidade de ouro, nascida do convívio fortuito num curso de computadores. Encostámo-nos às cadeiras para nos concentrarmos nos detalhes de tamanha tragédia.
O Carlos lá deu início à parte da história que rapidamente se transformou numa seca. Debitou ao longo de alguns vinte intermináveis minutos o seu irrepreensível trabalho de sedução. Conquistador, um verdadeiro Pizarro do engate (considerando o que adiante resumirei). A música tocou até à parte em que entraram no quarto os dois. Aí, a agulha deslizou sobre o vinil como o giz arranha o quadro da escola. Um arrepio.
Tudo feito e afinal nada aconteceu. Boquiabertos e de sobrolho franzido, solidariedade de classe hipócrita, inclinámo-nos os três sobre a mesa da cervejaria para o ouvir melhor.
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Eu entro com a gaja, - afirmou o Carlos, todo gingão -
conversamos um bocado e não tardou nada estava a tirar-lhe o soutien.
Um bruá interior no trio de espectadores. E o tipo prosseguiu.
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Começo no remelganço, mexe aqui beija ali e às tantas começamos a despir-nos, eu todo maluco e tal, a gaja tira as cuecas e eu topo lá um penso higiénico. - uma pausa estratégica para morder as nossas expressões -
A gaja, pá, tava com o período e não me disse nada!Ainda bem que estava sentado ou cairia de costas com toda a certeza. O meu amigo Carlos, garanhão, conforme adicionaria à sua explicação, rejeitou uma rapariga sensacional como se ela tivesse revelado uma doença sexualmente transmissível. Por estar com o período. E não ter avisado o rapazola dessas terríveis circunstâncias...
Os outros concordaram com ele, não sei se por simpatia. Eu não. Deitei as mãos à cabeça e pensei nas nozes em bocas desdentadas. E estraguei o ambiente da mesa com a espontaneidade da minha reacção. Quase nos envolvemos à porrada, o Carlos e eu, pelo rumo que a conversa tomou. Nunca mais voltámos a ter uma relação em condições.
Foi num livro do Henry Miller que encontrei pela primeira vez uma referência ao sexo que envolvia uma amante "periódica". No meio da deliciosa e detalhada descrição que o tipo fornecia acerca de qualquer mulher, o facto de a cena envolver o fluxo menstrual da amante em questão em nada diminuía a intensidade do que se passava entre os dois. Nem podia, concluí na altura. E confirmaria quando me confrontei pela primeira vez com a situação.
Implicava um simples problema de logística e nada mais. Uma toalha de rosto para evitar as manchas nos lençóis, uns lenços de papel e um duche abundante no fim. E pronto.
Faz-me confusão este nojo bizarro que se agarra à mona das pessoas. Um contrasenso sem explicação. E sei que se trata de um assunto desconfortável para a maioria das pessoas (de ambos os sexos), mas isso só poderá algum dia ser ultrapassado se alguém se pronunciar a propósito. Para podermos falar e pensar estas coisas que interferem directamente nas vidas que levamos.
A forma como me têm colocado a questão do período nas mulheres como óbice a um acto sexual é equivalente, no tom, à que me transmitem quando se fala nas mulheres que praticam sexo oral mas recusam que um homem se venha nas suas bocas.
É essa sensação de nojo uns dos outros que me perturba.
Por isso reagi, sem pensar, na minha primeira intervenção perante o discurso do Carlos M. e azedei a conversa: "Tu estás é a dar em paneleiro...".
No fundo, acabei por fazer tábua rasa da sensibilidade de outra pessoa. Fi-lo sentir-se mal com a sua reacção, condicionada pela educação que lhe foi incutida e por imensos factores que me transcendem. Armei-me ao pingarelho, apenas por ter uma opinião diferente da sua. E não é isso o que pretendo fazer aqui.
Quero apenas levantar a questão, sem me abster de vos transmitir a posição que assumo.
É que no teor da mesma está embutida a minha escala de valores nestas coisas e nenhum desses valores me compatibiliza com o outro lado do problema.
Nunca entenderei o embaraço de muitos homens perante aquilo que me faz ocorrer à ideia apenas a beleza do que num corpo de mulher a conota com a possibilidade teórica (ou prática) de ser mãe.
E ainda menos compreendo a desorientação (que testemunhei anos atrás) de uma mulher adulta pelo simples facto de me deixar à vista o tampão que utilizou.
São coisas que me impressionam e que ilustram algo de errado na forma como lidamos com um facto tão natural e isento de merdas. Só por isso me decidi a abordar a questão, aparentemente melindrosa.
O Charquinho não é o blogue indicado para quem prefira cultivar tabus.