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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

30
Ago05

A POSTA QUE NÃO HÁ INSUBSTITUÍVEIS

shark
proibido atear.JPGFoto: sharkinho (esta é mesmo minha...)
Fazer de conta que nada se passou seria hipócrita da minha parte. E claro que o que se passou é matéria para conversas restritas entre aquelas(es) a quem o assunto diga respeito. Mas é inegável que levei um pontapé no focinho e outro na alma também e toda a gente percebe porquê. Concedo mais essa glória a quem a possa entender como tal. Nunca me neguei colérico e não faria muito sentido negar-me emocional. Sou e senti a biqueirada, mas reuni o arcaboiço necessário para a aguentar. Só podia.
Afinal, por detrás dos blogues (coisa pouca) estão pessoas (aquilo que me importa). E onde se agrupa um conjunto de diferenças em torno de objectivos comuns existe sempre o risco de as coisas correrem mal. Por isto ou por aquilo, tanto faz. Às vezes perde-se o controlo das proporções e as coisas descambam. Custa muito, é uma pena, mas as coisas são mesmo assim e só autênticos milagres e uma quantidade generosa de diplomacia e de abnegação podem evitar conflitos de interesse ou choques de personalidade entre as pessoas. E quando estes se verificam, não vale a pena analisar o que se passou depois. Passou-se e acabou. O assunto morre aí, mesmo que a culpa morra solteira. A culpa nunca é só de um, a devassa, e o seu único compromisso é fornicar(-nos a mona).

E eu aceito o meu quinhão, na boa. Isso mais o sabor amargo de quem sai pela porta pequena depois de uma entrada triunfal. Com a dignidade possível, nas circunstâncias específicas. Tudo isto faz parte do que a realidade dos factos me deu a provar. São constatações óbvias e não vale a pena camuflá-las nas entrelinhas. Tudo isto engloba-se nessa dificuldade enorme que é acertar o passo e afinar os diapasões. É o preço a pagar pelas nossas decisões individuais e colectivas, pela repercussão das nossas maneiras de ser e formas de estar. É no fundo disso que se trata na blogosfera, em grupo ou em blogues unipessoais. Tudo tem um preço, como no resto da vida (que a vida também aqui se faz).

Podia, mais uma vez, ficar calado. Mas não forço ninguém a entender as minhas palavras ou a lê-las sequer. Aqui, neste espaço que criei, mando eu e respondo sozinho pelos meus erros e asneiras. Assumo as consequências que daí possam advir. Afinal, quem tem um blogue usa-o e ficava-me mal ficar-me, passe a redundância, sem uma reacção. Parece que temo seja o que for. E nada tenho a temer, senão a minha dificuldade em conter tudo quanto de mau ocorre a um gajo impulsivo quando se confronta com alguma forma de humilhação pública. Agora sei o quanto isso custa e admiro ainda mais as pessoas capazes de manterem sempre a serenidade e a lucidez. Mesmo quando lhes apetece reagir na proporção directa do problema que as afectou. São mais felizes do que eu, compelido a lidar com o troco das minhas intervenções. Ou talvez não e cada um sabe de si.

Seja como for, agora estou aqui e amanhã logo se verá. No resto, o futuro é sempre mais esclarecedor.
28
Ago05

MON COEUR S'OUVRE À TA VOIX*

shark
amanhecer.JPGFoto: sharkinho
Só no esplendor de uma aurora encontro paralelo com o nascimento de um grande amor. A luz todo-poderosa que rompe o negro da noite e abafa o céu estrelado numa explosão laranja que nos ofusca, minutos após o sol despontar por detrás da linha do horizonte. Cega-nos, como a paixão. Acelera-nos o coração. Grava em todos os pedaços livres de memória a imagem de um rosto, o cheiro de um corpo ou o som de uma voz. É assim que se apodera de nós, prepotente, sem aviso. Sem trincheira ou blindado que nos proteja da invasão. Tombamos sem apelo nos braços de quem assim nos encantou.

O amor aquece como o astro-rei. E alimenta. Ignoramos a sede, a fome e o frio. Como plantas verdes, como girassóis, seguimos a luz que nos anima e carrega pela vida como um tapete mágico, pura levitação.
Dá-nos uma força tremenda, capazes de tudo para lutar pelo objectivo que os restantes oblitera. Nada mais merece a nossa atenção, nada ouse atravessar-se no caminho de uma violenta paixão. Como uma brigada de cavalaria avançamos para a conquista inadiável de um amor, coragem no limite do desespero. Porque só a vitória se aceita nessa guerra sem quartel.
Sem tréguas, empunhamos o melhor de nós e esgrimimos os argumentos que nos justificam vencedores. Até à cedência total, à perfeição. De um sim entoado com um sorriso apaixonado, do calor transmitido pelo toque suave de uma mão, de um beijo consentido, bandeira branca à nossa investida por um grande amor.

Cada dia brilha mais quando nos ilumina a atracção por alguém. Cada momento uma alegria, sol a pino, cada contacto um arrepio. A pele que nos fascina roçada pela ponta de uma mão. E depois a reacção, em cadeia, arrebatada, dançada como um tango pelos corpos em fusão. Nuclear, energia sem controlo. Mentes ligadas no momento da explosão. Solar, quente e cheia de luz. Húmida como um campo de espigas depois uma chuvada forte, de uma trovoada ao alvorecer.

O amor é mais forte do que a vida e por ele nos dispomos a abdicar do mais precioso dom. Quem não oferece o último suspiro em troca da respiração eterna de quem nos aprisionou no coração? A cobardia não contraria o impulso natural de quem ama, quando em defesa do alvo dessa devoção. Nem mesmo o instinto de conservação, ignorado sem apelo.
Não existe Deus, nem Pátria ou qualquer outra causa mais nobre que consiga imaginar para me sentenciar o fim. Nada acima do amor. Mato e morro sem hesitar, certo da justeza dos meus propósitos e da firmeza das minhas convicções.

O ocaso da vida pensa-se mais sereno na companhia de quem amamos. Sem o espectro da solidão, sem o frio seco de uma alma desprovida de paixão. Com a luz na nossa frente, sempre presente para nos guiar. Carinho, conforto, agora mais perto do momento do adeus. Um até já, pois todos acreditamos na eternidade de um amor verdadeiro. E na saudade dos que partiram antes de nós existe a esperança de uma ressureição do nosso amor, transformado em energia, a mesma que irradia um olhar transfigurado pelo poder da emoção.
A noite, a mesma que borrifa magia com um luar platinado ou com o céu rasgado por uma estrela que cai, é apenas mais uma incógnita no processo de transição para outro paraíso qualquer.
Quando o sol nascer outra vez.

*Saint-Saens, Samson et Dalile, com Maria Callas na interpretação.
26
Ago05

A POSTA NA DIFERENÇA

shark
fazer diferente.JPGFoto: sharkinho
Desde que me conheço passei a vida a gerir equilíbrios instáveis e outras aflições. É uma tendência minha, algo que me persegue sob as mais variadas formas. Sou chamado com frequência a atender a situações complicadas, nem sempre directamente relacionadas com a minha intervenção. Mas também.
Está na minha natureza mergulhar de cabeça na confusão. E depois logo se vê. Claro que nem sempre corre bem, mas tenho aprendido bastante ao longo destas caldeiradas que povoam as minhas memórias e o meu quotidiano. Tenho aprendido a gerir o caos.

Família e amigos sempre recorreram aos meus préstimos quando surgiu uma situação das mais complicadas de enfrentar. O raciocínio é óbvio: "se o gajo é forte e conseguiu dar a volta a tanto caldo, consegue de certeza encontrar uma solução para este (sempre tão mais simples de resolver)". O gajo sou eu e acumulei com a minha propensão para me meter em alhadas a "mística" própria de um veterano dessas situações.
E em boa verdade se diga que uma pessoa habitua-se aos filmes com argumentos mais complicados. Ao ponto de parecer encaminhar a vida para becos sem saida ou salganhadas fora do comum. Um excêntrico, como eu me defino quando me deparo com as estranhas linhas com que me cosi. Uma vida feita de originalidades, maluqueiras e imensas decisões polémicas. Em casa, na escola, nos ofícios que exerci, nas relações sociais ou no amor. Em todas as vertentes que a minha intervenção consegue fazer-se sentir. Cedo ou tarde, uma caldeirada no colo de alguém.

Sim, porque tipos como eu acabam por arrastar os mais próximos para o centro do furacão. Nem sempre se mantém controlada a gestão de um caos como deve ser. A desordem provocada pelos comportamentos não naturais, as extravagâncias que me caracterizam, pode ter um impacto terrível na vida dos que me rodeiam. É um preço adicional exigido a quem pretenda aproximar-se de mim. O preço das minhas aberrações peculiares.
Isto não implica de forma alguma que eu não consiga manter uma aparência normal e levar uma vida similar às de qualquer um de vós. Ou seja, não desato aos berros no meio do hipermercado nem me ponho em pelota na estação do metropolitano. Tenho apenas algumas reacções, ideias e comportamentos que destoam do que se convencionou apelidar de normal. E por isso me estampo nos caminhos da vida com alguma regularidade e precisão. Por fazer tudo ao contrário do que esperavam de mim, pessoa vulgar.

Mas não acredito que sou, por muito que isso me acarrete dissabores. Tenho meia dúzia de merdas que me distinguem da maioria das outras pessoas e gosto de cultivar esses sinais particulares. Fazem parte de mim, tal como sou, e são indissociáveis da minha forma de estar. E eu estou numa boa, sempre que não me privam de uma das seguintes coisas: paciência, respeito e liberdade de expressão (ou outras). A liberdade, como refiro sem cessar, é fundamental para mim. Faz parte da essência que me traduz. O respeito é uma obrigatoriedade que não dispenso, até para que às minhas doidices não se associem consequências foleiras na relação futura com as pessoas. E a paciência é um requisito indispensável para me conseguirem aturar. Sou um dependente do perdão dos outros, da sua capacidade para tolerarem algumas bizarrias e respectivas manifestações. Mas dou sempre em troca o melhor de mim e garanto que não me falta o que dar. Até porque faço questão de compensar quem me atura, de mostrar que existem em mim características capazes de compensarem as minhas parvoeiras.

A gestão de equilíbrios constitui, portanto, um estimulante desafio para mim. Gosto de os enfrentar, os desafios, e gosto de os obter, os equilíbrios. E acima de tudo gosto do gosto que só a vitória nos dá. A vitória sobre os eternos impossíveis, as proibições incontornáveis e as metas que ninguém consegue alcançar. Utopias, se quiserem. Persigo-as com ardor e às vezes espalho-me ao comprido no seu culto e tentativa de viabilização. Mas espalho-me feliz, a tentar.
Gosto de fazer a diferença. Na minha vida e nas das outras pessoas. Gosto de violar regras, de contrariar negas e de boicotar convenções. Sempre que isso me abre as portas a um mundo melhor, mais feito à minha maneira, mais ajustado ao homem que sou. A mim e a quem amo ou prezo o bastante para impor a minha excentricidade e a imprevisível variação nos humores que só um grupo muito restrito consegue aceitar.

A irreverência é uma das minhas obsessões. Cultivo-a para me sentir alerta a todo tempo para a necessidade de contrariar o poder sob qualquer das formas negativas que o transformam num viveiro de limitações.
E para saber presente no tubarão, em cada momento, a vontade irreprimível de combater a apatia, de hostilizar a cobardia e de espremer da vida o melhor que ela tiver para me dar.
Sumo de pessoas. Torrentes de memórias. Fluídos de paixão.
25
Ago05

VAMOS PARAR

shark
stop.JPGFoto: sharkinho
Vamos parar, nem que seja por uma hora, de esbanjarmos água como se esta não escasseie noutros pontos do país ou do mundo e nunca possa um dia vir a fazer-nos falta também.
Vamos parar de fazer de conta que a honra, a dignidade e o brio passaram a ser palavras vãs e antiquadas, coisas que deixaram de existir, obsoletas, incapazes de prevalecerem no mundo mesquinho que estamos a construir.
Vamos parar, ou mesmo alterar o percurso que nos conduz à desconfiança, ao medo e, por fim, ao ódio que nos leva a lado algum. Vamos redescobrir a amizade e o amor.
Vamos parar, nem que seja por um dia, de virar a cara com indiferença e falsa resignação aos problemas que enfrentam os que tiveram a desdita de nascerem no tempo e no local errados. O erro somos nós quem o alimenta e a dor deverá ser, por imperativo moral, nossa também.
Vamos parar de entender a vida como eterna, distraídos a desperdiçá-la com momentos de merda, iludidos de que o tempo perdido é passível de recuperação posterior. Ou de vagas compensações.
Vamos parar de correr sem sentido nenhum para um objectivo tão difuso que nem sabemos quando nem quem o traçou, de tão alheio ao nosso natural instinto de preservação.

Vamos parar, nem que seja por um minuto, para verificarmos se ainda somos, sem margem para dúvidas, pessoas felizes e de bem.
23
Ago05

A POSTA MUITO DEDICADA

shark
longe de vos.jpg
Dedico esta posta a todos(as) quantos(as) conseguiram enganar-me, trair-me, ludibriar-me ou de alguma forma fazem ou fizeram pouco de mim. Dedico-lhes a minha admiração pela sua capacidade e engenho para o conseguirem. E o meu respeito pela habilidade que tiveram para me humilharem, me desiludirem ou simplesmente exporem o lado mais ingénuo do meu quase extinto amor pelas utopias.
Não é fácil obter sucesso em tal empreitada, gostaria de acreditar. Mas desacredito e apenas reflicto acerca das inúmeras ocasiões em que me vi confrontado com uma queda do céu. E perdi. Perdi sempre algo de precioso na ressaca de mais uma desilusão. Para sempre, como o tempo (mais um aliado inesperado dos(as) artífices da minha vergonha) se encarrega de provar. Perdi também o amor ao perdão.

Mas resisti, naturalmente. E aprendi a desconfiar. Em demasia, até. Pura ilusão. Nas manhas dos(as) que intrujam existem trunfos que não consigo combater. Porque o desgosto tem origem nos mais próximos de mim, regra geral. Os de fora apenas assistem, regozijam, ou assumem-se cúmplices da tramóia por simples diversão. O palhaço sou eu, nessas alturas. Assumo-o sem qualquer constrangimento ou embaraço porque apenas me iludem os que gostam de mim. Porque lhes dedico a minha estima e lhes entrego o coração, exponho-me à traição. Ainda que desconfie, afinal. Somos todos assim, os que insistem em acreditar na amizade séria e na paixão duradoura. Vulneráveis à confiança que precisamos de depositar.

Baixei os braços, entretanto, e aceitei a realidade tal como ela se pinta. Uma realidade que não desenhei nem esculpi. Uma ficção, no contexto das farsas em que a vida me obriga a participar. O bobo da corte, quer queira quer não, ao alcance de qualquer mão empenhada em me atraiçoar. Peito aberto, consciente da fragilidade do meu papel de incréu. Como referia, cada vez menos agnóstico, cada vez mais ateu.
A traição pode vestir-se de muitas peles e as palavras são como os folículos que se soltam a cada instante, ferramentas essenciais para arquitectar um engano ou uma omissão. Ou apenas um sinal oposto ao que se pretendia, revelado num simples descuido ou numa mensagem muito fácil de interpretar. Das que ilustram a essência do que se vive na alma de quem a enviou apenas no intuito de sujar o receptor. O destinatário da revelação de uma ideia muito porca acerca da natureza das suas intenções. Para desviar as atenções da culpa que cada um carrega no seu fardo de medos e de realidades difíceis de enfrentar de outra forma, as genuínas.

Mas também eu já traí. E admiti. Pago por isso o preço que a vida me apresentar, a repercussão das minhas escolhas, o descrédito que as minhas confissões acarretam.
O preço de uma forma ambígua de experimentar a solidão.
22
Ago05

NA PELE DO TUBARÃO

shark
barbatanas44.JPG
No dia 14, e embora não tenha assinalado a efeméride, completei um ano de actividade blogueira "do lado de cá". E digo do lado de cá pelo facto de a minha blogueirice ter tido início um pouco antes, na qualidade de leitor/comentador. Um ano a blogar. Parece pouco e até me coloca num grupo de quase caloiros desta cena. Mas o tempo blogueiro passa de uma forma diferente do outro, o da outra realidade que vivemos. Sim, ao longo deste ano concluí que esta é uma realidade à parte, por muito que a arrastemos para o plano analógico com os nossos encontros e jantaradas. A comunidade que bloga construiu laços entre si, relações muitas vezes exclusivamente baseadas na comunicação por esta via. Sólidas, porém.

O tempo passa mais devagar na blogosfera. Uma semana aqui equivale a meses lá fora (o Eufigénio falou disso com a mestria habitual). Anos, se considerarmos que muitas vezes partilhamos com blogueiros informações que nunca confidenciámos a alguém alheio a esta plataforma de comunicação.
Conhecemo-nos (ou à imagem que divulgamos) melhor do que muitos familiares entre si. Não faço ideia do que vai na alma da maioria das minhas tias ou dos meus primos. E tenho uma ideia concreta acerca dos problemas e ansiedades que afligem pessoas que nunca vi com os meus olhos, mas com as quais mantenho um contacto quase diário no âmbito da relação blogueira.

As coisas acontecem depressa na blogosfera. As amizades, as antipatias, os ódios. E os amores também. Entramos na carola uns dos outros, acontecemos nas vidas que reflectimos por aqui. Somos mais próximos do que a maioria dos vizinhos do edifício que habitamos, dos quais muitas vezes nem o nome sabemos. Como aqui, aliás, onde o nick nos distingue dos demais e apenas alguns têm acesso à identidade que, na maioria, nos esforçamos por ocultar. Mas aqui não há hipótese de correr à pressa para o ascensor para evitar o desconforto da viagem em silêncio com as pessoas que moram acima de nós. Aqui não conseguimos esconder por muito tempo as nossas grandezas e misérias, os nossos atributos e as nossas limitações. Sempre de perna aberta para alguém nos avaliar como nós avaliamos todos os outros. Pelas palavras que nos desenham nas consciências de quem nos lê. E nas suas opiniões. Gostamos ou não. Ficamos, com maior ou menor regularidade, ou nunca mais alimentamos o contador de quem por algum motivo não nos agradou. Pelo tema ou por outra razão qualquer. Somos algo levianos na escolha das nossas companhias que blogam.

E isso repercute-se muitas vezes na realidade não virtual. Nas relações que mantemos lá fora, tempo que partilhamos à custa das pessoas que não entendem o nosso vício ou gosto comum. Tempo que nos afasta da outra dimensão que nos compete viver, mas que nos serve cada vez mais de inspiração para umas postas e menos para nos sentirmos vivos e para executarmos bem o nosso papel. No trabalho e/ou em casa, não vale a pena negar, uma generosa fatia da nossa disponibilidade é canalizada para esta vida alternativa. Interessa-nos mais saber como reagiu determinado blogueiro a um comentário que lhe fizemos do que a opinião do gajo do terceiro bê acerca das despesas de manutenção da nossa propriedade horizontal comum. Já me baldei a reuniões de condomínio porque me apetecia mais blogar nessa altura. E acho que fiz muito bem.
Mas talvez não.

Tenho plena consciência do quanto valorizo esta prática blogueira, ainda que assuma algum desencanto provocado pelas mazelas de uns quantos prejuízos e de algumas desilusões. Sei que ao fim de um ano nesta animada fonte de contactos e de partilha de informação, mesmo tendo em conta as curtas paragens motivadas pela inevitável saturação, continuo com vontade de blogar. E blogo o mais que posso, o melhor que o consigo fazer, para justificar a minha presença neste mundo que tanto me atrai.
Preciso de me sentir merecedor de me imiscuir num espaço onde encontro muita gente sem ponta por onde se pegue, mas também recolho o privilégio de me relacionar com pessoas brilhantes e que muito me dão a aprender. Acerca das pessoas e das suas principais preocupações. A verdadeira essência de cada um de nós, melhor ou pior na qualidade da camuflagem, reflectida no que afirmamos nas nossas criações. Criamos pretextos para comunicar, as postas, e cedo ou tarde lá espelhamos o que de melhor e de pior temos para oferecer. Basta ler com atenção e somar as indicações que semeamos, nas caixas de comentários ou nos emails que trocamos. Estamos lá e até desmentimos aqui e além a personagem que tentamos defender, os que enveredam por esse caminho, traídos pelo impulso que nos leva a sermos a verdade nua e crua. A sermos nós próprios, afinal.

Ao longo destes doze meses conheci pessoalmente dezenas de blogueiras e de blogueiros. Nem sei se ainda consigo citar de cor todas e todos quantos já pude, no mínimo, observar de perto e constatar a distância entre a imagem ficcionada e a aparência real. Nunca correspondemos ao perfil. Salvo raras excepções, no aspecto físico, e um pouco mais frequentes na correspondência entre o carácter da pessoa de carne e osso e a sua manifestação virtual.
Pessoas de bem, algumas. Pessoas de bem um nadinha estragadas pela vida, outras. Pessoas de má índole sob a pele de cordeiro que a blogosfera se adequa a vestir. Há de tudo como lá fora. E eu até tenho tido sorte nas proporções, conquistei muito mais amigas e amigos do que rapaziada com tendências mais ou menos hostis.

Por tudo isto continuarei a blogar. Acredito que vale a pena, depois de limadas as arestas do entusiasmo inicial, enfrentar todos os dias esta prova de fogo para o indivíduo que sou e que gosto de me acreditar. O Shark, tão próximo do gajo que vos escreve esta posta que se transformou num monólogo há três parágrafos atrás. Porreiro numas merdas, detestável noutras. Um homem recém-quarentão com amor às palavras e à sua utilidade principal. E com predilecção por pessoas, as boas e as más, o centro fulcral da minha atenção, desde que tomei consciência de mim. As mulheres, sobretudo (não posso esconder), em todo o seu fascínio e com a facilidade de expressão que a blogosfera enfatizou. Mulheres interessantes, pessoas especiais, capazes de transformarem um blogue numa fonte diária de emoções e de exercícios de talento e de capacidade intelectual.

Contudo, aprendi ao longo deste tempo algumas lições. E a mais importante foi a que me ensinou a dosear a intervenção nesta quota-parte da minha existência, a temer o excesso de exposição e as suas consequências. Mal se nota e pouco me importa se efectivamente se notar. Blogo por gosto e não me permito descobrir-me um dia farto ou sem condições para continuar. Pelas repercussões dos exageros que já cometi. E por algumas razões encaixadas no que acima escrevi.

Agradeço-vos o tempo que me dedicaram ao longo do tempo que já passou. Aqui, ali, além ou em qualquer outro lugar. Cada vez mais próximo do homem que bloga sob a pele do tubarão.

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Já lá estão?

Berço de Ouro

BERÇO DE OURO