Foto: sharkinhoUma das lições mais importantes que retive da minha frequência das sessões de esclarecimento acerca de planeamento familiar a que assisti, adolescente, numa escola primária de Benfica, foi a de que os preliminares eram talvez o grande segredo do sucesso para qualquer amante em condições.
Claro que não ganhei por isso a falsa noção de que basta um generoso lapso de tempo dedicado à estimulação de uma parceira para as coisas correrem bem. Mas vendo as coisas à luz do que hoje sei e na altura não entendia, é inegável que o conselho que me foi dado olhos (os meus) nos olhos (lindos e azuis) da jovem monitora do meu grupo valeu para uma vida inteira de satisfação garantida. Ou o meu amor de volta.
É espantoso como uma pessoa de quem nem sabemos o nome consegue em minutos influenciar de forma determinante um puto, ao ponto de ainda hoje (mais de vinte anos depois) esse puto (eu) ainda seguir a sua veemente recomendação como uma cartilha. E valeu a pena dar atenção ao que aquela rapariga sentiu que valia a pena dizer, para lá do âmbito restrito de como se enfia correctamente um preservativo na pila ou de como devemos encarar o calendário biológico feminino como um razoável mas arriscado método anticoncepcional.
Cada um tem o seu estilo, a sua abordagem, um conjunto de procedimentos que o caracteriza e se expõe no momento da verdade. O meu deriva do aprofundamento da lição de que vos falo mais acima, uma vida (sexual) inteira a analisar reacções, a buscar novas sensações, a potenciar os recursos do corpo para despertar o desejo no corpo de outra pessoa, diferente de todas as outras pessoas, única, disponível para nós e, no mínimo por isso, inegavelmente especial. A pele é a tela que aprecio pintar com os dedos, com a boca, com o simples contacto de outra pele que é a minha e na qual concentro toda a energia que consigo desviar para tal propósito. Não há desenho mais lindo do que as linhas traçadas pelo arrepio no corpo vibrante de uma mulher ansiosa, sim, mas sem pressa do momento da concretização. E a concretização começa ali, afinal, naquele culto da sensibilidade alheia e da vontade de proporcionar prazer que lhe está associada. Na entrega que se vê.
O sexo, como eu o aprecio, é feito dessa prioridade que é a outra pessoa. A pessoa que por desejo ou por amor nos escolhe para a intimidade no seu apogeu, para o risco que sempre envolve essa prova de fogo que nos incendeia. Um risco que na minha perspectiva ninguém pode subestimar quando seduz, que deve incentivar um empenho total de parte a parte para que tudo corra pelo melhor. E o melhor é o prazer e esse faz-se de coisas tão simples como uma viagem de ida e volta com início por detrás do lóbulo de uma orelha e passagem obrigatória pelos dedos dos pés.
Até não ser possível suportar mais a vontade de ir mais além, até ser imprescindível consumar na fusão dos corpos o calor acumulado, abrasador, de uma sessão de preliminares que faça jus à atracção que aproximou alguém a um ponto sem retorno.
Do or die. E sobrevivemos, exaustos, realizados, felizes naquela hora, capazes de congelar o tempo nesse instante precioso, em boa medida por via do carinho, da atenção, do interesse que o toque cuidado numa pele sempre provoca.
Não percebo como há quem desdenhe esta verdade absoluta que a prática nos confirma.
É tudo mais agradável dessa forma e por isso idolatro a moça anónima de quem apenas uns olhos magníficos mais esta lição me ficaram retidos na memória. Agradeço-lhe aqui, tiro no escuro, a influência que em mim exerceu. Ela mereceu, pela forma como, no final de cada sessão, tentava explicar a um grupo de putos a diferença entre um labrego atesoado e um amante dedicado, o sucesso garantido de coisas tão simples como a disponibilidade para estimular previamente o desejo de outra pessoa. E para nunca negligenciar o depois, aquela hora para os mimos que bem merece quem se dedicou a fazer-nos sentir bem, enquanto se satisfazia também. Com cigarro ou sem, tanto faz. Apenas um instante de serena contemplação, sorrisos cúmplices, alguma conversa ou um silêncio esclarecedor, uma pausa para o amor em mais uma das suas formas. Para saborear o que aconteceu e, quantas vezes, para reavivar a chama que o
virar de costas e toca a dormir apaga, por mais tempo do que se possa pensar. Para ter mais do mesmo e ainda melhor. Tão simples assim.
E parece que toda a gente aprendeu na mesma escola, a teoria, parece que estou a chover no molhado da sapiência que tantos(as) apregoam. Mas eu falo do assunto com a certeza de que na prática as cábulas imperam e a preguiça ou a ansiedade descontrolada marcam o desempenho de muitos dos(as) que lêem esta posta e/ou dos(as) parceiros(as) que em rifa lhes tocam. É esse o desabafo da maioria dos que comigo falam destas coisas.
Como já repararam este é um tema recorrente na minha postura (de postas), um assunto que me fascina e me delicia debater na caixa de comentários onde conversamos. E sabem porquê? Ainda tenho muito que aprender e cada vez resta menos tempo antes do final de um raro (e por isso valioso) curso superior numa vida marcada por uma infinidade de ignorâncias. Quero saber mais e aplicar esse conhecimento na arte de ser feliz, como a monitora me explicou.
Aposto que muitos de vocês também.