03
Abr05
A POSTA ESTANDARTE
shark
Por mais que me esforce, não consigo combater este efeito perverso da minha educação. Sempre que me confronto com a situação parece que um bug na minha personalidade leva-me a reagir em sentido inverso ao que seria normal em mim. Fico embaraçado, comporto-me como um tótó. Tento até esconder essa evidência de que sou um homem saudável e funcional. E a única excepção, a única pessoa perante quem nada temo nessas circunstâncias, é precisamente a que estiver na origem premeditada dessa reacção fisiológica que me desconforta.
Mais do que combater o fenómeno, esforço-me por encontrar uma explicação. Mas admito: acho que nunca entenderei porque não aceito com naturalidade e até me sinto envergonhado pelas minhas erecções. E essa insegurança é a explicação que encontro para vos confrontar com um assunto tão banal.
É uma estupidez, bem sei. Mas chego a colocar uma bolsa de cintura para "tapar" o traquina que as calças raramente camuflam quando lhe dá práli. E nem é uma questão de dimensões, posso garantir, estou integrado na maioria absoluta que a estatística classifica como o tamanho médio para um português (voltarei um destes dias ao tema). Todavia, logo que o sinto a espreguiçar dou início a um processo absurdo. É quase uma check list. Ver se alguém nas proximidades está ao alcance visual da minha extemporânea manifestação de regozijo, confirmar se a orientação do malandro é a mais adequada (nem só na política se manifestam as nossas inclinações - eu sou de esquerda até às orelhas) para dar nas vistas o menos possível, encontrar uma posição e/ou um "tapume" que oculte a proeminência imprevista aos olhares seja de quem for. Sinto-me um parvalhão nessas alturas. Tento até contrariar mentalmente, pensando em jogos de futebol (por exemplo) ou outros assuntos nada estimulantes nessa perspectiva, mas sempre tarde demais para impedir a progressão até ao ponto em que se torna ostensivo.
Na praia é uma angústia, mais do que em qualquer outra circunstância. Tanto pela impossibilidade de disfarçar seja o que for por detrás de uns calções de banho, como pelo terror de me julgarem uma espécie de tarado que se estende no areal para dar largas às suas fantasias. Claro que uma pessoa não consegue desviar facilmente os olhos de uma mulher bonita com um corpo bem moldado, mesmo com a necessária discrição que um cavalheiro deve acautelar. Mas isso também pode acontecer num café, com as pessoas vestidas. E não implica necessariamente qualquer tipo de reacção imediata.
Porém, na praia vejo-me forçado a recorrer com frequência ao velho truque da barriga para baixo e do buraco na areia. Ou ao mergulho imediato na água fria, para arrefecer as ideias. E nunca consigo justificar essa paranóia perante os outros ou na minha lógica pessoal.
Mas em qualquer troço de via pública uma erecção é um constrangimento penoso para mim. Não suporto a ideia de dar de caras com alguém a mirar algum chumaço abaixo da minha cintura, fora de um contexto inequívoco. Apetece-me logo bater em retirada para uma trincheira qualquer. É mesmo de vergonha que se trata. Estão-me a ver? O tubarão, esse liberal das avenidas, todo torcido ou procurando um local isolado para ajeitar o equipamento por forma a torná-lo menos... preponderante? É doentio, concordo. E é com um embaraço semelhante que partilho convosco esta minha peculiaridade.
No entanto, o meu compromisso com a verdade obriga-me a revelar as minhas grandezas como as minhas misérias. E se o facto de me constatar uma pessoa normal nos afluxos sanguíneos é motivo de gáudio, o meu comportamento perante a exposição pública dessas reacções aleatórias é o de um caloiro do seminário.
Faz parte da minha estrutura mental a aceitação do sexo como um assunto tão natural como qualquer outro o que, de resto, julgo ser visível em boa parte do que tenho postado. E é aí que reside a contradição expressa na bizarria que acabo de vos descrever. São estes pormenores inexplicáveis que me privam de responder sem hesitações pelo comportamento da minha mona. É inegável que existem na mente alguns circuitos que escapam ao nosso controlo e à nossa compreensão e, se calhar, são esses os responsáveis por algumas loucuras e excentricidades sem justificação aparente.
Ninguém pode afirmar que responde por si próprio. Somos uma mistura explosiva de pensamentos, de experiências e de diferentes educações, nem sempre compatíveis com a nossa essência. Somos imprevisíveis, uns mais do que outros, o que invalida qualquer garantia de fiabilidade dos rótulos que nos colocam ou das definições com que nos caracterizamos.
As minhas certezas enfraquecem diante da constatação que me oferecem alguns comportamentos que as desmentem ou, pelo menos, as colocam em causa. Por isso vos digo, amigas e amigos, que não há como deixarmos entreaberta uma janela para a dúvida quando está em causa a análise de qualquer pessoa. De nós mesmos.
Como certa, no que respeita à minha reacção perante as erecções involuntárias em público, tenho apenas a impossibilidade de optar por calças justas. E o desejo de que a vida adie até ao dia do meu fim o momento em que eu me veja livre, mesmo sem querer, desta minha fonte aleatória de exagerados pudores e de mal disfarçadas vergonhas.