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Abr05
SALVAR UMA LÍNGUA
shark
Percebi, no dia em que pendurei pela primeira vez a toalha de banho no suporte que tinha mais à mão, o quanto nós homens temos de palermas. Fiquei todo orgulhoso, confesso, da proeza infantil que o espelho reflectia. Ganda pinta, pá, uma toalha tão grande e pesada e eu...? Espectáculo.
Quando era mais puto, estas glórias partilhavam-se. Eu até sou capaz de aguentar mais de dez minutos com a toalha pendurada no coiso. Extraordinário. Os outros riam-se mas por dentro ficavam em pulgas para experimentarem a ver se também eram capazes. E o mesmo raciocínio aplicava-se a qualquer proeza, real ou fictícia, que nos enfatizasse a virilidade aos olhos dos outros.
Andamos em permanente competição. Seja pela disputa da atenção de gajas (há tipos que são capazes das figurinhas mais patéticas no calor da refrega, mesmo assumindo o papel de empatas), seja pela simples necessidade de afirmação pessoal. Isso não morre na adolescência. Mais forte, mais poderoso, mais viril, mais sedutor, mais viril outra vez. E mais inteligente ou espertalhão, se nada do resto provocar o efeito pretendido ou o visado perceber que não tem hipóteses nesse domínio. A virilidade passa para a língua.
O problema da língua (e eu salvarei Uma pelo Monty) é que não dá para pendurar toalhas, ainda que bem ginasticada. Trinta e um de boca, qualquer lingrinhas sem cabide para uma peça de lingerie feminina que seja é capaz. Mas acaba por surgir o momento da verdade (ou não) e a língua por si só não o sustenta. Pensar com a pila e nomear a língua porta-voz não resolve o problema. É preciso algo mais e isso não deriva da simples confrontação das ideias ou da firmeza nas abordagens teóricas. Qualquer gajo sabe que é assim. Porém, a sede de conquista cega o guerreiro à sua debilidade e ele parte eufórico para o campo de batalha. Derrotado à partida.
Somos ainda mais palermas quando não entendemos que está na hora de desistir. Tornamo-nos maçadores, inconvenientes até. Mesmo depois de constatarmos que a língua mal pode com uma toalhinha de bidé não queremos dar parte de fracos. Acreditamos até ao fim e o fim pode espelhar-se num gigantesco trambolhão, na tangibilidade que os factos possuem quando nos esfregam nos olhos a evidência da figurinha de parvos que fazemos quando avançamos destemidos para o vazio.
Faz parte da nossa natureza machona, mas é algo que nos conduz muitas vezes para becos sem saída, para desgostos, embaraços e até para conflitos sem justificação. Dizem que é um problema hormonal e eu acredito, porque não?
Até porque preciso de uma explicação cabal para o facto de ainda hoje não resistir (só de vez em quando) ao teste da toalha para confirmar que ainda não está na hora de forrar a parede de toalheiros nem de confiar em exclusivo ao precioso músculo bocal a exibição dos meus atributos, o pilar onde assenta a minha estratégia.
Tê-los no sítio, lamentavelmente, é um mérito que nem a língua mais desembaraçada consegue substituir. E por muito que a pila se esforce, não há teoria que nos valha quando ao entusiasmo verbal temos que associar os actos que o substanciam.