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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

17
Mar05

aDeus

shark
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Senti-me só naquela sala cheia de gente. Ouvia os sons, as vozes distantes de muita conversa fiada, diálogo de ocasião, mas não entendia o que diziam ou o que não queriam dizer.
Rostos anónimos lançavam-me olhares ocasionais, inexpressivos. Como se eu não estivesse ali. E não estava, de facto.
Vagueei pelo salão como um holograma transparente, personagem de fantasia num cenário irreal. Eu não era o protagonista. Talvez nem fosse sequer figurante daquela película muda que o destino me exibia, purgatório imerecido, assim o entendia.
Buscava respostas sem conhecer as questões. Eternamente na dúvida, sem perceber o que fazia ali e porque não estaria noutro lado qualquer. A deixar por fazer coisas diferentes, para quebrar a monotonia de uma existência absurda.
Ninguém me ouvia gritar, ninguém me acudia. A minha presença naquele lugar era menos que indesejada ou pouco mais do que indiferente. Por quanto tentasse, nunca conseguiria verdadeiramente estar ali. Num mundo que não era o meu, num tempo tão difuso que a minha parca compreensão da sua passagem não conseguia abarcar. Sentia-me só e queria saber-me quem. Mas não me sabia quando, nem porquê. Tinha cara de ponto de interrogação. E alma de caixeiro-viajante, sem nada para vender. Estava bera, o negócio de ser.
Cada vez era menos coisa alguma. Parecia afastar-me da realidade a que julgava pertencer, de forma proporcional ao meu esforço de integração. Para onde, não o sabia. Contudo, o caminho que tomara rumava para longe dali e dos outros lugares sem nome onde estivera ou não. Caminhava sempre no sentido oposto do ponto em que acreditava encontrar-me, andava perdido. E não fazia sentido andar às avessas, ou perder o norte a alguém que não existia. Seria?
Precisava pensar. Alinhar as ideias, estudar o guião. Desconhecia o papel que me cabia na encenação, como poderia representar? Se ao menos distinguisse o cariz da trama, vestiria o personagem em conformidade com a ocasião. Assim, palavras tolas, orelhas moucas, falava sem sentido, como um actor de comédia descontrolado no velório da sua pessoa mais querida. Sentia-me despropositado, também.
Recordei o sentido de uma frase de um filósofo radical alemão. Não há grandes homens, apenas bons actores a desempenharem o seu próprio personagem. Uma farsa permanente, a existência, tendia a concluir. Nas coisas sem sentido descobriam-se por vezes os nexos que faltavam. E desvendavam-se mistérios supostamente ocultos por mera distracção de quem os analisava. Pareciam simples as respostas para quem sabia o que perguntar. Mas a quem dirigir as questões?
Nunca a todas aquelas figuras de papel desenhadas numa plateia da vida específica, num dado momento, numa outra dimensão. Elas não saberiam responder, não entendiam as perguntas. Assistiam simplesmente ao desenrolar das tragédias das suas próprias vidas desperdiçadas a ignorarem o que teriam de mais importante para viver. Espectadores desatentos de muitas histórias sem final feliz. Fantasmas, no fundo.

Fez-se silêncio no salão quando as luzes se apagaram. Só o palco resplandeceu, com as cortinas de cetim a afastarem-se graciosas, a abrirem caminho para o actor principal. E esse actor era eu, tal como me conhecera.
Os aplausos soaram, como se numa fracção de segundo eu tivesse interpretado fielmente a minha passagem efémera pelo seu mundo. Choraram e riram comigo, mas partilharam coisa nenhuma.
Depois, o pano caiu. Eles permaneceram na sala, mal os ouvia à distância, na mesma cadência de discursos vazios, sempre à espera da próxima actuação.
E eu desapareci numa cortina de fumo, parti em digressão para outros instantes em busca de algo. À procura de mim.
16
Mar05

ALGUM AMOR EM POUCAS PALAVRAS

shark
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AS VOLTAS TROCADAS

Mal nos falávamos, excepção feita aos cumprimentos da praxe, à entrada e à saída do local de trabalho comum. Cada um na sua sala, nem mesmo as nossas funções se cruzavam. Era um conhecimento “de vista” que me bastava para saber que ela era uma mulher muito bonita e pouco mais. O resto sabia-o pela boca de colegas, embora pouca credibilidade atribuísse à actividade cusca que grassava.
Diziam que era casada com um bruto que a engravidara alguns anos atrás e que “até parecia bom moço, no início”. Não era.

Um dia ela apareceu, aos vinte e poucos anos de idade, de óculos escuros em dia nublado. Todos adivinhámos o que estava em causa e ela acabaria, entre lágrimas, por exibir o estado em que o pai do seu filho lhe deixara um sobrolho. Ofereci-me, tal como outros colegas, para tomar uma atitude mas ela não aceitou qualquer tipo de ajuda. Deixei cair o assunto no ficheiro das preocupações adormecidas.

Pouco tempo depois, e pela primeira vez, o nosso ofício seria conjugado para uma missão específica com vários dias de duração. Foi num desses dias que conversámos por mais tempo pela primeira vez e ouvi da sua boca os pormenores que, na maioria, coincidiam com a versão das conversas de café pelas costas. E foi também num desses dias que ela precisou de um ombro para chorar, tristeza amplificada pelas saudades do filho, e foi no meu que verteu as lágrimas acumuladas. Depois beijámo-nos e demos início a vários dias de intimidade e de intensa paixão.

Fiz tudo o que estava ao meu alcance para que ela se sentisse amada. Ao ponto de me apaixonar perdidamente por ela. Mas o trabalho em equipa chegaria ao fim e a questão colocou-se de imediato. Ela nem hesitou. Regressaria para os braços do seu homem, o que a traía e maltratava. E eu, estupefacto, arrisquei perguntar-lhe porquê.
Com um sorriso triste, ofereceu-me uma madeixa do seu cabelo, beijou-me os lábios pela última vez e respondeu:
“Eu amo-o muito e não consigo viver sem ele”.
15
Mar05

NAS COSTAS DOS OUTROS

shark
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Ontem, enquanto aguardava um amigo numa esplanada do Parque das Nações, reencontrei uma pessoa conhecida que já não via há algum tempo. Uma antiga colega de escola, com quem nesse tempo havia feito todo o sentido cultivar a amizade e embarcar em episódios pontuais de intensa paixão. Bonita e inteligente, a minha amiga (tal como a lembrava) era uma pessoa de bem e tinha-a em elevada conta, mesmo já decorridos alguns anos sobre o nosso último contacto.

Confesso que fiquei feliz por reencontrá-la e admito que me agradou recordar com ela alguns momentos magníficos que vivemos a dois. Em meia hora de conversa recuperámos a proximidade perdida, pois tudo batia certo com a imagem que ambos retínhamos um do outro. Excepto algumas alterações próprias do processo de amadurecimento, sulcos que a vida escava em algumas das nossas características sem deformar a essência da personalidade de cada um.
Pelo menos, era o que as nossas palavras faziam depreender.

No entanto, eu lembrava-me bem do aspecto que mais me marcara na jovem que ela era: a sua lealdade incondicional às pessoas que considerava suas amigas. Virava-se do avesso quando alguém se metia com “os seus” e, apesar de baixinha, quando lhe saltava a tampa era mesmo a abrir. O meu respeito por ela, a primeira das razões que nos aproximaram anos atrás, desenvolvera-se a partir de uma situação na qual um conhecido seu tentava emporcalhar a imagem de uma pessoa das relações da minha amiga.
No final do diálogo a que assisti, o fulano abandonou a cadeira com o rabinho entre as pernas e com a certeza de que dali nunca mais levava coisa alguma. Chanfrado, aplaudi a garota de pé, no meio do bar, e depois apresentei as minhas desculpas por ter partilhado a conversa que decorreu em timbre elevado o bastante para se ouvir em toda a sala.
Foi assim que a conheci.

Quando o meu amigo chegou, outra surpresa. Já se conheciam. Passámos a conversar a três, acerca das voltas que a vida dá para se cruzarem os nossos caminhos e tentámos descobrir os amigos comuns que pudessem entretanto existir. E eles descobriram um, ao qual ela se referiu como uma excelente pessoa por quem nutria imenso carinho e consideração. Pela descrição pareceu-me um gajo porreiro, mas por infeliz coincidência o meu amigo detestava o rapaz e passou a destilar o seu azedume. Ridicularizou-o, até. E ela, a anos-luz da mulher que eu recordava, sorriu e em momento algum tentou acabar com aquela situação que me soava desconfortável mesmo sem conhecer o protagonista.

Inventei uma desculpa e deixei-os na mesa, após algum tempo a assistir em silêncio aos termos deselegantes que o meu amigo, certamente teria as suas razões, empregava na descrição do amigo dela. Caiu-me mal, vê-la a sorrir da maledicência dirigida a uma pessoa que afirmara prezar e o meu filme não era aquele com toda a certeza.
Por isso os deixei, sem ficar com um contacto dela para utilização futura.

Não cultivo amizade com pessoas incapazes de entenderem que a falta de lealdade é uma forma de desrespeito pelas pessoas que em nós confiam. Nem me agarro às recordações felizes para perpetuar ilusões.
A amizade séria não se compadece das grandes como das pequenas traições. Nas costas dos outros, lá está, vejo as minhas...
14
Mar05

CONTAS DE CABEÇA

shark
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No trailer de um filme prestes a estrear, o personagem representado por Will Smith fornece tutoria a um fulano acerca da melhor abordagem a seguir quando chega a hora de conquistar o primeiro beijo a uma mulher. "Avanças noventa por cento e deixas-lhes os restantes dez por cento para percorrerem elas o resto do caminho". Não terá sido exactamente desta forma que ele o disse, mas a ideia era precisamente esta.
Sorri e dei comigo a pensar nesta questão da estratégia que todos tentamos desenvolver para lidar com tais situações. Claro que existem contextos onde as coisas não passam por qualquer tipo de esquema pré-concebido, mas é inegável que cada um de nós possui a sua própria medida para os avanços e os recuos. É nesse aspecto que concentro a atenção desta posta.

Cada pessoa tem uma noção de como deve (ou de como quer) reagir perante um(a) amante potencial. É nesse sentido que falo em estratégia. Por exemplo, existem homens que quando avançam é a cem por cento. Nem consideram a hipótese de deixar margem a hesitações. Esta forma radical de fazer as coisas só resulta, no entanto, se estiver reunida uma feliz conjugação de factores. Ou dá para o torto e de uma forma nem sempre agradável para os protagonistas.
Outros homens, pelo contrário, só avançam dez por cento e expõem-se a fracassos evitáveis. Porque do outro lado está outra pessoa, uma mulher e, regra geral, condicionada pelos seus medos e pelas suas próprias reacções a este tipo de iniciativa. Com noventa por cento do caminho por percorrer, dificilmente se contará com a colaboração entusiástica da hipotética beijada.

Isto parece simples de analisar, como tudo o que se analisa à distância. Mas no momento das grandes decisões, quando tudo em nós grita que está na hora de tomar uma atitude, o caminho a percorrer pode estar (e nas pessoas com bom senso deve estar) dependente da pessoa alvo desse avanço e do contexto global que proporcionou a ocasião. Até porque nem sempre os sinais que interpretamos jogam certo com as intenções do emissor. E quando se equacionam as coisas desta forma, as teorias dos "entendidos" perdem alguma consistência.
Se impomos às outras pessoas o nosso modelo de comportamento, a nossa percepção da distância a percorrer (em centímetros e em intimidade e confiança) ao contacto físico que pretendemos, estamos a desrespeitar as suas decisões e as suas fronteiras. Estamos de alguma forma a violentar essa pessoa, que até pode ser apanhada de surpresa e perder a capacidade de reacção pelos piores motivos. Podemos deitar tudo a perder.

Este equilíbrio não é fácil de estabelecer e até existem casos nos quais o avanço destemido é a melhor receita. Porém, esse tiro no escuro pode desviar-nos a pistola para um pé. O nosso ou a da outra pessoa, se de alguém fragilizado se tratar. É essa, no meu entender, a justificação razoável para a prudência (mesmo quando esta se possa revelar excessiva). Porque outras se intuem facilmente a partir do diálogo (embora nem sempre este denuncie determinadas imprecisões) e de outros indicadores menos fiáveis mas fundamentais na interpretação das intenções de pessoas mais tímidas ou temerosas (ou simplesmente não interessadas em nós nessa perspectiva).
Existem riscos que não se devem correr, mesmo hipotecando a oportunidade que aparentemente se configura. É embaraçoso e confrangedor para ambos os intervenientes quando algum se vê obrigado a travar as investidas do outro, sobretudo quando já existem laços de amizade a preservar. E o desconforto instantâneo pode ser a menor das consequências de tamanha trapalhada.

Tudo isto, porém, depende ainda de factores absolutamente irracionais e imprevisíveis. O amor e a paixão nunca se prestam ao estatuto de ciência exacta, precisamente porque nem sempre reagimos como a nossa razão recomenda. Neste tipo de assunto apenas ambicionamos mitigar um pouco a nossa ignorância, quando nos atrevemos a teorizar.
Por isso mesmo e na minha perspectiva, aquilo que o Will Smith advoga no trailer que citei não passa de uma chalaça inócua e como tal deve ser entendida. A medida dos nossos avanços e recuos define-se pelo nosso carácter, pelas circunstâncias concretas em que nos confrontamos com tais decisões e, acima de tudo, pelos mecanismos de protecção que as contingências da vida nos instalam. E isto vale para homens como para mulheres, pelo que o cariz absolutamente aleatório de demasiadas variáveis é sempre o dado mais adquirido da equação.

Com tantas contas de cabeça nunca cheguei a conclusão alguma. E sem ter a mínima noção se tomei a decisão mais acertada quando esta me competiu, já perdi a conta aos beijos que ao longo do caminho deixei por dar.
Às vezes, quando me vejo numa fase da vida da qual a estatística mais favorável indica que mais de metade já "ardeu" e da outra metade não poderei usufruir com o presente potencial, dá-me vontade de mandar às urtigas a cautela e de arriscar um pouco mais. Mas depois olho para a minha pila, esse dinâmico mas obtuso rolo de carne, e não consigo convencer-me a confiar-lhe as minhas escolhas. Mesmo que em casos pontuais se venha a confirmar ser ela a verdadeira e única detentora da razão, a existir uma.
12
Mar05

SÓ VIM LIMPAR O PÓ...

shark
shark22.jpg"Isto da dieta blogueira dá-me cabo da mona."
...e também já estava farto de ver sempre a mesma coisa, quando aqui venho roer-me de saudades.
Entretanto aproveito para vos anunciar que estou em iminente ruptura com o MAJ-BAMG (Movimento Até Já - Blogues Alma Minha Gentil) e não tarda muito devolvo-lhes o cartão.
Recebam os votos de um excelente fim-de-semana!
(Bife de pau bávaro, Maria Árvore???)
09
Mar05

A POSTA ATÉ JÁ

shark
Às vezes fico com a ideia de que nunca sei dar os passos certos nem consigo interpretar os passos que as outras pessoas dão. Como se num dia tudo fosse claro, simples de entender, e no dia seguinte as certezas se convertessem num borrão.
Apesar de ser um tipo com a obrigação de já ser impermeável à maioria das desilusões, não sou. E intimida-me a forma como algumas pessoas reagem aos meus problemas (com indiferença), às minhas limitações (com agressividade) e às minhas iniciativas (com receio evidente ou sem uma reacção que eu possa interpretar de alguma forma).

Nunca serei uma espécie de calimero, pois também já reuni ao longo da vida muitas evidências em sentido contrário e não me cai bem a pele de coitadinho. Porém, espantam-me e deixam-me algo desnorteado a frieza, as meias tintas e a insensibilidade com que tanta gente me presenteia. Penso no assunto porque gostava de assumir as minhas culpas no cartório. Com o mal dos outros posso eu. E tento analisar o que há de errado na forma como digo ou faço as coisas para suscitar algumas atitudes tão hostis e algumas ausências tão perturbadoras da explicação que se impõe.

Não consigo ainda adivinhar o que vai na alma dos que lidam comigo. Talvez mais alguns anos de maturidade possam colmatar essa falha na minha perspicácia. Mas conheço as minhas motivações e faço o possível por transmitir de forma inequívoca tudo quanto a minha mente produz. Deveria ser o bastante para me garantir alguma imunidade, alguma tolerância e alguma compreensão. Mas não é.
Basta um passo em falso ou uma hesitação para me tratarem como um gajo que nunca merece perdão. E se falo em alhos, respondem-me com bugalhos e não consigo tirar conclusões, ficando entregue à dúvida e à especulação.

E isso tem-me acontecido acima de tudo nas relações com a malta da blogosfera, que não compreendo hoje o que afinal esperam de mim.
Por isso, preciso de fazer uma pausa como o Eufigénio, para organizar a vida e as ideias e dizer-vos até já.
08
Mar05

MAPA DA VAGINA II

shark
HaymanResort_02.jpgOnde fica? Como se chama? Parece-se com o quê? Hoje é dia de quem?
Ainda a propósito de um assunto que está sempre na ordem do dia, julguei oportuno abordá-lo numa posta precisamente porque os indicadores revelam uma grande sede de informação acerca da dita cuja.
E a dita cuja é a vagina. Basta o nome para suscitar de imediato algumas questões que até se podem interligar em teoria com outras que nem parece terem nada a ver. Vagina é a designação correcta, oficial, mas está longe de reunir o consenso generalizado. Aliás, chamam-lhe tudo e mais alguma coisa. Mas nem sempre lhe chamam coisas que goste de ouvir chamar-lhe.

O meu problema reside na obsessão pela elegância, sobretudo quando estão em causa conceitos, realidades tangíveis ou designações relacionadas com os meus interesses mais relevantes. Vagina não é um termo feliz pois soa frio e casual. Como se no dia em que resolveram dar-lhe um nome alguém perguntasse: “Ò pá, o que havemos de chamar a esta coisa?” e alguém respondesse do outro lado da caverna: “Chama-lhe uma merda qualquer. Regina, por exemplo (não seria mal pensado, pela associação a uma marca que já deu cartas e à majestade inerente ao tema fulcral desta prosa).”
E o outro percebia mal e gritava: “Malvina?”. O amigo não respondia e ele apontava o mais parecido com o que ouvira, ao lado do desenho do bisonte que caçara no dia anterior.

Não pode ser assim, quando estamos a falar de coisas de suma importância. Pelo mesmo motivo, não me cai bem ouvir chamar-lhe cona. Não pela palavra em si, mas pela conotação pejorativa que se dá aos palavrões. É um insulto e não custa nada chamar-lhe outra coisa qualquer, mais carinhoso, mais quente, acima de tudo mais digno do alvo da minha atenção nesta posta.

Pessoalmente, gosto do vocábulo passarinha. Quem não gosta de uma passarinha? Inspira-nos logo uma ternura que considero indissociável da mais bela ave da criação. É um bicho fofo e que apetece tratar bem, a passarinha. E está mais de acordo com a filosofia que julgo dever aplicar-se em qualquer acto ou raciocínio a propósito dessa maravilha tão importante que há quem julgue pertinente existir um mapa da sua localização. Ou da sua constituição. Do tipo: “aqui é o clitóris (outra designação estapafúrdia), uma pequena elevação situada no vale entre lábios, uns centímetros abaixo da zona limítrofe inferior do púbis.” E depois vinham as coordenadas, para o estudioso se certificar do acerto das suas medições. E talvez um pequeno resumo da utilidade prática das visitas regulares de exploração topográfica. Facilitava muito a vida ao pessoal e evitavam-se alguns desmazelos e manifestações de ignorância potencialmente embaraçosos e penalizadores para a maioria das pessoas.

Mas voltando à questão da nomenclatura, também não aprecio as expressões que associam a passarinha a grutas, a buracos e a outras realidades frias e escuras que em nada traduzem aquilo de que estamos a falar. É uma perspectiva reducionista e atentatória ao bom gosto, chamar buraco ou algo similar ao ponto mais confortável e acolhedor da anatomia feminina. Buracos há nos campos de golfe e nos queijos suíços em que alguns marmanjos pitosgas deixaram transformar o seu cérebro com as alarvidades corrosivas que os atafulham. Só estes podem confundir coisas tão distintas.

Outra designação com que embirro é pachacha. Não tanto pela sonoridade (que acho divertida), mas por ser das designações preferidas dos labregos que não respeitam a o cariz sagrado de algumas obras-primas da natureza que nos afina e/ou de Deus (que nos terá criado).

O tom com que se fala das coisas também é um aspecto essencial. É diferente, num momento de paixão, alguém dizer “apetece-me tanto beijar a tua pachachinha” ou, pelo contrário, uma besta bujardar um sonoro “comia-te essa pachacha toda”. Mas comia o quê, este troglodita antropófago? Provavelmente comia era um murro na boca suja, havendo um homem em condições na sua periferia. Por isso, não é só o que se chama mas como se chama. Isto é muito importante de destacar, pois uma pessoa pode sempre encontrar quem aprecie alguns excessos verbais em determinadas circunstâncias. Mas lá está: nessas circunstâncias em concreto (e só nessas) até se pode chamar-lhe gaita de beiços. Convém é ter respeitinho (que o corpo dos outros não é para tratar à bruta, mesmo nas palavras), gratidão (ah, pois! Imaginem que nunca tinha havido ou que deixava de haver ou que nenhuma vos tocava), e zelo (se estimam tanto a merda da medalha que ganharam no campeonato de berlinde do bairro, estão sempre a poli-la e a certificar-se que nada lhe falta, acho que não preciso de dizer mais nada, pois não?).

Convém ter em conta isto tudo mais a carga emocional associada. E o facto de por detrás de qualquer passarinha existir sempre um componente ainda mais fundamental da estrutura em causa: um cérebro. Com tudo o que isso implica.
07
Mar05

A QUíMICA QUE NOS TRAI

shark
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Adolescente, ria-me dessa piroseira de que as miúdas falavam umas com as outras. Com um brilho nos olhos e sorriso maroto nos lábios, elas levavam a coisa a sério e acreditavam mesmo naquilo.
Eu, bruto como quase todos os rapazes na puberdade, achava aquilo tão irrealista como qualquer das muitas manias de gaja que elas, mais desenvolvidas, partilhavam umas com as outras.
Mas um dia deixei de ser virgem. E nesse dia, entre outras importantes ilacções, concluí que afinal as raparigas tinham razão. A química existe e é responsável por inúmeras atracções inesperadas e intensas, como por fenómenos de rejeição que podem converter-se até em nojo.

Nem sei se acontece com todas as pessoas, mas muitas já me confidenciaram (re)conhecer essa reacção (química?). É de extremos. Atrai ou repele. Ou não existe de todo e nesse caso é muito provável que estejamos perante alguém que nos será indiferente.
Em casos mais intensos, nem é preciso tocar efectivamente a outra pessoa para se ter a percepção da harmonia ou da incompatibilidade das químicas. Quase por instinto, rejeitamos quem nos desagrada e esse desagrado pode ter origem num cheiro, no som da voz, na falta de luz no olhar. Mas também pode nem ter uma explicação tão óbvia.
E o contrário é ainda mais notório. Alguém que não conhecemos surge perante nós e provoca-nos sensações agradáveis a todos os sentidos. Desorienta, essa manifestação. Apanha-nos desprevenidos e sem saber como lidar, assim de repente, com a situação. A uns falha-lhes a fala, a outros sobe-lhes a pulsação. A mim? Não digo.

Esse mal explicado mecanismo (uns dizem-no hormonal, outros meramente olfactivo, outros ainda apontam para um conjunto de factores diferenciados) é responsável por muitas complicações na vida de todos nós. A química certa com a pessoa errada ou a química errada com a pessoa (que se julgava) certa são meio caminho andado para uma bronca das antigas. É que nem sempre conseguimos dominar os impulsos, os bons e os maus, os adequados e os inconvenientes, quando nos confrontamos com essa surpresa.
A química transcende o poder de alguns sentidos. Uma pessoa visualmente agradável e muito bem cheirosa pode provocar-nos uma sensação desagradável quando nos toca a pele. E a pele nunca engana, como o algodão. Se não atinamos com o toque, está tudo estragado. Mas se constatamos precisamente o oposto é uma gaita e lá estamos num momento que muitas vezes nem ousámos fantasiar. Ou pretendíamos até evitar de todo.

Embora a química da paixão tenha algo de místico na sua concepção, é inegável para muitos de nós a existência desse processo alheio a qualquer facto racional. A pessoa que esteve sentada na cadeira diante de nós pode inspirar-nos tanta atracção como um cinzeiro. E a pessoa que se senta na mesma cadeira no dia seguinte pode fazer disparar os alarmes todos, antes mesmo que um simples cumprimento seja trocado. E são estas últimas que confirmam a razão das adolescentes a quem devia ter prestado mais atenção na altura. É um pesadelo afastarmo-nos desses seres humanos que algo em nós diz serem talhados à medida da nossa composição molecular. E não é pelo que se vê, mas pelo que se intui e depois se manifesta no sentir.

É uma pena que algumas contingências da vida nos confrontem com essas criaturas enquanto outras conjunturas pareçam criadas precisamente para nos obrigar, a contragosto, a reconhecer a impossibilidade de com elas algum dia partilharmos mais do que uma relação distante, uma ilusão silenciada ou um desejo (mal) reprimido.
04
Mar05

MAPA DA VAGINA

shark
Eu nem sei se vocês acham muita piada a isto, mas custa-me não partilhar convosco estas informações que os bastidores do meu blogue fornecem. É que isto diz muito do que a malta anda à procura na net e de como os caminhos neste mundo virtual se cruzam de formas bizarras.
Vejam os exemplos que seleccionei de entre as dezenas de critérios que o pessoal usa nos motores de busca para virem parar ao charco e digam lá se isto não é divertido para quem está deste lado da coisa.

Blog de sexo – esta é sem margem para dúvidas a mais popular. Não consigo entender porquê. E vocês?

Destruidora de lares – São muitos os que procuram uma. Ainda não sei para quê...

Desenho de sexo – Mas é mesmo preciso eu fazer um desenho?

Ninfomaníaca – Quem, eu?

Blog amadoras sexo – Desculpem lá, mas este blogue é só para entendidas(os) na matéria.

Cuecas – Será que alguém perdeu algumas de estimação?

Frase de bom dia – Pode ser uma só com duas palavrinhas?

Imagens picantes – Lembrem-me de publicar uma fotografia de uma malagueta em pose erótica.

Blog de homem – Porquê, ainda há quem duvide?

Ilustração de feijoada – A malta sempre em busca de pratos leves. Tão bom que até apetece molhar pão nas fotografias, não é?

Frase de bom regresso – Tem preferência pelo dialecto?

E agora aquela que mais me intrigou, a melhor do mês:

Mapa da vagina – Nem sei como comentar esta. E confesso que nunca me ocorreu cartografar essa região específica. Talvez se eu lhe emprestar uma bússola...
03
Mar05

LÍNGUAS AFIADAS

shark
Esta é mais para despegar o meu amigo do crucifixo onde o pendurei. Até porque confesso que nem ontem ao serão (quando escrevo a maioria das minhas postas) nem hoje ao longo do dia encontrei uns minutos para escrever a posta costumeira.
Porém, a mais recente “bronca” da blogosfera mais próxima (que teve início numa posta do Barnabé, espalhou-se ao 100nada, incendiou o Afixe, alcançou o Renas e ainda faz correr tinta virtual numa data de espaços colegas), essa reacção em cadeia incentivou-me a falar um pouco acerca do assunto, aproveitando uma pausa estratégica.

Até porque eu próprio já dei início a reacções do mesmo género, em menor escala (felizmente), e percebi nessa altura que isto da blogosfera já atingiu um ponto (em expansão e em expressão) que nos obriga a levar muito a sério aquilo que postamos. E isto aplica-se a qualquer blogue, pois as broncas tanto podem ter início numa posta política como num momento menos conseguido de humor. Ou até num comentário palerma (como é mais minha tradição). Nem nos comentários podemos dar-nos ao luxo de abardinar. As pessoas lêem, as pessoas reagem e ninguém consegue ficar indiferente ao clima que se instala. E se estala...

No meu Afixe, as águas agitaram-se a tal ponto que até pareciam ter partido dali as ondas de choque que tantas palavras produziram. Mas não. É o tal efeito bola de neve que as nossas intervenções mais polémicas podem iniciar e que acabam por confirmar, pela sua intensidade e pela dimensão que atingem, o interesse que as pessoas têm por este fenómeno, a importância que lhe atribuem e o respeito que isso nos exige quando lhes damos algo a ler. É essa a principal conclusão que extraio de mais um momento de azedume blogueiro.
A sensibilidade dos outros não pode ser descartada do que afirmamos. Não pode e não deve. A inteligência também não. Os outros, que sou eu e que são vocês, porque gastamos parte do nosso tempo a dar atenção ao que a blogosfera produz, merecem toda a consideração. No meu entender, é esse o ponto de partida para tudo o mais. E justifica até que nos reprimamos de vez em quando, que nos tentemos impor alternativas menos agrestes para exprimirmos as nossas posições. Não é diferente do que tentamos fazer numa mesa de café. Não pode ser diferente. Sob pena de qualquer dia nos fartarmos de más ondas e irmos surfar para outras paróquias.

Eu adoro isto. E postas bem esgalhadas como a que hoje nos ofereceu o Oldman abrem-me os olhos, todos os dias e em muitos blogues, para a falta que esta maravilha me fará se um dia definhar por causa da falta de contenção verbal generalizada. Até me passava...

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