21
Dez04
ACONTECEU NO OESTE
shark
Um deles estava encostado ao umbral da porta da sala. O outro, visivelmente mal disposto, deu-lhe um valente encontrão quando entrou. Ninguém na sala se apercebeu, excepto eu e as minhas duas parceiras de mesa, pois estávamos voltados para a porta enquanto a plateia estava de costas para a situação.
Porém, depressa as palavras associadas aos chega para lá se sobrepuseram no tom e no calibre às dos restantes convivas. Chamaste filho da puta a quem? E toma lá um encontrão. A ti, meu boi! E toma o troco, punhos engatilhados para o que viria a seguir.
Na mesa, a minha parceira da esquerda encerrou-se num mutismo que denunciou a sua capacidade de iniciativa na questão. Já a da direita amaldiçoava o dia em que se associara de alguma forma a tal bando de rufiões. Deitei as mãos à cabeça e levantei-me, resignado ao cariz inevitável da minha intervenção.
Quando cruzei a sala, todas as cabeças me seguiram com o olhar. Senti-me uma espécie de xerife de um western spaguetti, com a população assustada da cidade a louvar a minha coragem e o cangalheiro a tirar-me as medidas a olho. Do lado de fora da porta, as coisas já tinham assumido outras proporções. Os familiares e amigos haviam aderido à manifestação espontânea de insanidade, somando mais três ou quatro pessoas de ambos os sexos envolvidas no sururu.
Fiei-me no cabedal e entrei a matar no meio da confusão, discurso diplomático aos berros para serenar os ânimos e recurso a força física quanto baste para separar aquele molho de brócolos que me aterrou nos braços num dia que até parecia normal quando começou.
Consegui afastar os intervenientes associados, mas a dupla protagonista já tinha ultrapassado a fase da simples escaramuça. Eram dois adultos corpulentos em plena cena de porrada e eu no meio, em representação da mesa.
Finalmente, com a colaboração de alguns auxiliares de última hora, lográmos separar os dois. Mesmo à justa, antes da chegada dos dois agentes da autoridade que com cara de gozo me deram a conhecer a sua estranheza de serem chamados a um sítio daqueles para porem cobro a uma zaragata.
E eu, com a asa direita amolgada para um mês, um hematoma feio num perna e a marca de um sapato abaixo da clavícula, pedia desculpa aos polícias, agradecia a sua rápida intervenção e mandava-os em paz. Foi só um mal entendido, shôr guarda, uma coisa pequena...
Depois voltei a percorrer a sala, agora substancialmente mais vazia, mas ninguém aplaudiu o meu esforço nem avaliou o que me doía tudo aquilo.
Sentei-me e tentei dar sequência à ordem de trabalhos, marcada por algumas importantes decisões para tomar. Dorido mas voluntarioso, até porque seria a minha despedida do cargo que justificava a aziaga presença naquela mesa, empenhei-me em obter o consenso do pessoal e tentei extrair algo de positivo daquela barracada.
Consegui e exultei por dentro, vaidoso da minha capacidade negocial. O sorriso interno morreu na minha mente quando uma das parceiras constatou a falta de quorum para validar qualquer decisão. Foi mais uma cacetada na carcaça desta pessoa.
Dez minutos depois, dei por encerrada a última assembleia a que presidi na qualidade de administrador do condomínio. A minha exibição de bravura não ficou registada na acta porque, como alguém fez questão de salientar, parecia mal. Não constava da ordem de trabalhos...