Uma panela, depressão
Água na fervura e deixa-se a coisa em lume brando, a ver se resolve. Mas apenas adia.
Apenas prolonga a agonia no tempo, num ferver mais lento que continua a queimar o rastilho improvisado para atrasar a deflagração.
Cada vez mais perto de explodir, a tampa prestes a saltar, pressionada pelo vapor da locomotiva escondida no interior de um espaço incapaz de a manter na linha, o descarrilamento ao virar da esquina, pouca terra, pouca terra, e demasiado caminho a percorrer em tão pouco tempo que falta para algo rebentar, um aneurisma ou coisa pior, e a água a ferver cada vez mais escassa no fundo.
Todo o tempo do mundo, era aquilo que parecia, mas a ampulheta ameaça ficar vazia e ninguém a pode virar ao contrário para garantir o prolongamento, um lado quase cheio a um ritmo cada vez mais apressado, e a imagem em câmara lenta para fingir que tudo acontece mais devagar.
Mas o comboio não pára de apitar no pipo da panela que grita a impaciência ou mesmo a dor que lhe provoca o escaldão, o pesadelo da evaporação acelerada da pouca água já queimada em demasia, o lume brando que só adia o momento do final inevitável, pouco tempo, pouco tempo, e demasiado perto da estação terminal que se aproxima a passos largos, à vista naquele horizonte cinzento, lá ao fundo, no céu.
O ferver está mais lento, mas a água já quase desapareceu.