A posta na democracia indirecta dos recém-chegados de fora do sistema
Gosto sempre de prestar atenção aos figurões que se afirmam alheios à política mas avançam na mesma como candidatos eleitorais.
É o caso de um apregoado independente, Rui Moreira, que surgiu na Invicta como uma espécie de lufada de ar fresco à Direita (a doce brisa do Rio) para contrapor ao curioso mas incompreensível candidato socialista e ao mau da fita, o eterno Luís Filipe Meneses.
Estes figurões mediáticos, sempre sustentados por um qualquer poder (no caso concreto existem claros vínculos clubistas e pode pelo menos pressupor-se a simpatia de um Pinto da Costa por eventual eleição de Moreira), surgem de repente na cena (não) política invocando precisamente a sua relação urticária com os partidos.
Consigo entender a distância de Rui Moreira relativamente ao fenómeno político-partidário, do qual também me afastei anos atrás, e não sendo esse o motivo que me leve a olhá-lo com alguma cautela é sem dúvida um factor acrescido para nele prender a minha atenção: precisamente porque são estes arrivistas os menos fiáveis à priori de entre os elegíveis para cargos de maior relevância em qualquer democracia.
A nossa, fragilizada pelo que se sabe, encontra-se escancarada a este tipo de paladino da imagem impoluta do cidadão ainda por conspurcar pela máquina hedionda de estragar pessoas em que os partidos políticos facilmente se pintam aos olhos de gente a passar privações.
A atenção que presto a estas pessoas xpto permite-me topar com facilidade as suas incoerências, as suas inconsistências e, esses são de caras, os seus momentos de desatenção imbecil. Sim, imbecil. Não é novidade na cena política e é ainda mais fácil de encontrar nestes candidatos sem tarimba na língua para evitarem confusões.
Este Rui Moreira, um homem cheio de predicados na sua vertente empresarial, parece uma pessoa válida, daquelas que Portugal procura como pão para a boca para colmatar as brechas em matéria de liderança. E acredito que o seja, no meio em que se movimenta e, por exemplo, enquanto comentador em programas acerca de futebol.
O lance da grande penalidade
Todavia, a um candidato a cargos importantes é legítimo exigir alguma bagagem em termos de ponderação. Foi essa que falhou a Rui Moreira quando, no meio de um programa da RTP (Economix), veio à baila o assunto das eleições em Itália e a reacção do putativo candidato foi espontânea. Talvez demasiado, quando se falou do Grillo que deixou em pânico a classe política desta Europa unida em torno de um vulcão.
Aparte o desdém pelo humorista (como se fosse coisa que se pegue), saltou-me à vista o seu comentário abalizado (de autor de um livro acerca do tema) a propósito da democracia directa.
Nem de comentário se pode apelidar, mas a intervenção do senhor que não é um político nem admite qualquer tipo de filiação partidária resume-se no seu exemplo ilustrativo do que entende por democracia directa: a ideia é as pessoas votarem em casa, pelo Facebook, e agora imagine-se que apanham um homicida de crianças e é colocada a questão: acha que este bandido deve ser condenado á morte? E a pessoa, de forma instintiva, tende a votar a favor.
Para não me alongar nem pego pela imbecilidade mais óbvia, a do recurso ao exemplo extremo e impraticável, pelo menos fora de um contexto de absoluto caos no qual da Constituição da República se fizesse tábua rasa. Pego sim pela queda desamparada do demagogo na tentação de equiparar os eleitores a criaturas destituídas de inteligência, de bom senso e de capacidade de decisão. É isso que está implícito na figura do tal votante por impulso, movido apenas pela fúria vingadora do Neandertal a quem a democracia representativa até permite seleccionar de entre uma elite com capacidade superior alguém que fale e decida por si.
Se Rui Moreira vier a ser o Presidente da Câmara do Porto, por livre escolha dos eleitores a quem o próprio não confiaria nem uma decisão jurídica (fantástico, num Estado de Direito, mesmo com uma democracia directa, este conceito tão radical) até eu ficarei na dúvida relativamente à pertinência dessa sua opinião.