A POSTA QUE NUNCA MUDAM DE CANAL
Uma das coisas que mais me irritam e preocupam nesta caldeirada europeia é a mania de que sempre que há assuntos urgentes por resolver reúnem-se a Merkel e o francês de serviço na liderança à la Louçã (bicéfala) que nenhum tratado consignou.
Será a realidade dos factos, sem dinheiro não há palhaços, mas constitui uma desconsideração para com nações que não se tratam como verbos de encher, entregues os destinos de todo um continente a quem exerce um poder que, por derivar da condição financeira, afinal apenas comprou.
Mas a entrevista de António Borges, na qual um gajo que ninguém elegeu ou nomeou para um Ministério ou Secretaria de Estado revela a sua decisão privada acerca do futuro do canal público, conseguiu irritar-me e preocupar-me ainda mais.
O paralelo está à vista: na Europa dita comunitária como neste desgraçado país não manda a política, recheada de figurantes, de testas-de-ferro patéticos de quem mais ordena. Manda o dinheiro.
Claro que não faltam os defensores da teoria de que sim senhor, faz todo o sentido que mande quem paga. Contudo, essa teoria esbarra no caso da RTP com o pequeno detalhe de sermos nós, a multidão de pelintras, a pagar. A mesma que ajuda a sustentar parlamentos e comissões e outras ilusões europeias de poder para o povo que paga à grande e à francesa mas acaba sempre espoliado do que seja seu ou seja de todos por quem já nem tenta disfarçar o incómodo que estas coisas da Democracia e dos Estados de Direito podem causar à livre iniciativa, ao empreendedorismo ganancioso, ao furor capitalista desastroso e descarado que já nos perdeu a EDP e agora ameaça destruir cinquenta anos de trabalho e de experiência adquirida que todos pagámos a peso de ouro, entregando-o a quem se devam favores milionários.
Na questão europeia a situação é, ou pelo menos parece, idêntica. Gregos, portugueses e outros povos do sul com menos jeito para as contas andaram séculos a contribuir para que o Velho Continente se tornasse num paraíso por comparação com a maioria e agora que a acumulação de riqueza parece ser o único critério de avaliação da grandeza e da relevância das nações (como das pessoas) são colocados num canto com orelhas de burro enquanto, nas tintas para órgãos de soberania ou mesmo para as próprias estruturas criadas para o efeito no âmbito da alegada União, alemães e franceses, os Borges desse filme, anunciam as suas decisões e impõem-nas à revelia de qualquer legitimidade que não a de serem a malta do pilim.
Ou quem a representa.
Em ambos os casos, tudo o que de importante acontece parece determinado por poderes que não os institucionais, não aqueles a quem confiamos as decisões que mais interessam a cada um de nós e ao colectivo que integramos. Tudo o que acontece, cada vez menos razoável, parece provir de quem pouco ou nada se interessa pelo impacto das tais decisões comunicadas por gente sem mandato para as tomar e ainda menos para as impor, com troikas ou com falsas tutelas legitimadas por um sistema cada vez mais difícil de entender no funcionamento e na sua lógica distorcida pelas questões marginais do lucro fácil, imenso e despudorado que rege quase tudo o que emana de quem manda. Ou de quem apenas finge mandar.