A POSTA NA PROPOSTA CERTA COM A MAIORIA ERRADA (2)
A iniciativa do Bloco de Esquerda a que faço alusão na posta abaixo é um passo importante na correcção de um problema que só a ignorância alimenta e tem o meu inteiro apoio, só pecando por tardia e por acontecer quando a actual maioria no Parlamento não permite qualquer esperança de aprovação da medida proposta.
Contudo, isso não mudará a verdade dos factos: impõe-se o debate acerca do assunto, cada vez com maior emergência numa altura de crise que só ganharia com o fim da circulação ilícita de dinheiro que a proposta do BE preconiza.
Quem quiser dar a volta ao texto e fugir ao óbvio só precisará refugiar-se na argumentação consolidada ao longo de décadas de proibições das quais apenas resultaram benefícios para os traficantes de canábis e para os consumidores que gostam de acrescentar a pica da ilegalidade às suas experiências de vida. Para os cidadãos comuns que consomem a substância sobra o estigma associado pela ignorância que nem permite a distinção entre drogas duras e leves (as que estão em causa) e para o país acrescentam-se mais custos desnecessários para a Justiça e mais viveiros de economia paralela em larga escala.
Só com uma grande dose de hipocrisia, de preconceito ou de interesse financeiro directo alguém poderá defender que a situação actual tem algo de bom seja para quem for para além dos que citei.
A informação acerca da canábis abunda na internet e só não percebe o que está verdadeiramente em causa quem não quiser. As opiniões, como é natural em todos os assuntos polémicos ou melindrosos, dividem-se entre os papões de alegados estudos científicos que de concreto têm provado quase nada em matéria de malefícios para a saúde do consumidor moderado e os argumentos lógicos dos que, mesmo não consumindo, enfatizam a questão de princípio implícita nesta estranha teimosia de muitos Estados no investimento em “combates ao flagelo” sem distinguir os alhos de substâncias como a heroína, a cocaína e outras drogas químicas mais recentes e os bugalhos da canábis. A influência social destas duas realidades é absolutamente incomparável, tal como o comportamento dos consumidores se distingue à vista desarmada.
Neste aspecto o argumento de que muitos começam pelas leves e partem daí para uma existência medonha associada ao vício adquirido é o mais batido e se não peca pela verdade fá-lo pela transparência da estatística que remete esses casos para uma irrelevância inevitável.
Na verdade só estão em causa más vontades despoletadas pelo desconhecimento dos factos, pelo preconceito associado a décadas de proibição e de propaganda alarmista e apenas porque sim.
O formato proposto pelo Bloco salvaguarda os interesses de quem consome e os de quem não o faz, oferecendo ao país uma solução bastante consensual, devidamente fiscalizada e que constituiria um golpe de misericórdia nas receitas chorudas de intermediários que fogem ao controlo do Estado e só servem para desviar a concentração das autoridades e dispersar forças no combate aos verdadeiros flagelos associados à venda e ao consumo de substâncias comprovadamente perigosas para a saúde e para o funcionamento da sociedade.
Resta-me referir que não se trata de uma iniciativa inédita, já estando a provar-se eficaz em diversos países.
O provável chumbo parlamentar da proposta do BE, neste contexto, não passará de um adiamento de algo que só quem não queira enfrentar o tema com seriedade pode considerar um malefício.