A POSTA QUE JÁ ENJOA
Como estamos a lidar com uma estatística muito favorável para um prognóstico, uma hipótese em duas, é de prever que em milhares de cretinos com bichos adivinhos, sejam polvos, vacas ou pardais de telhado, haja centenas que poderão reclamar o acerto no resultado do Portugal-Dinamarca.
Aliás, ainda com base na mesma garantia de apenas ter que acertar numa de duas alternativas, até haverá dezenas a poderem invocar o estatuto de vidente para o seu papagaio por ter comido primeiro a bolacha pintada com a bandeira do vencedor do Portugal-Holanda.
E mais, se logo à partida forem mesmo milhares os cretinos com bichos alegadamente adivinhos até pode, é mais difícil, mas pode haver um animal capaz de transcender qualquer ser humano nesse dom tão em voga nos dias que correm sem cromos como o Zandinga para substituírem os bichos dos macacos amestrados pela sede de projecção e escolher a guloseima certa até ao jogo final.
Claro que não faltarão municípios interessados em ver surgir no seu concelho uma galinha visionária ou mesmo um porco ciclista, pois já toda a gente percebeu que os holofotes dos quinze minutos de fama apontam de imediato para onde os milagres possam acontecer, de preferência em directo e em exclusivo mas nunca de surpresa para poderem afinar agulhas com um patrocinador.
É no fundo o síndrome do emplastro, com a vantagem de o bicho poder servir de pretexto para a gula do dono pelas câmaras, que sempre se revela quando a ocasião justifica e nada mais à mão do que um Europeu de futebol quando ainda está fresca a memória dos tentáculos saudosos do pioneiro alemão deste folclore dos segundos planos.
De repente lá começam os noticiários mais os programas desportivos habituais mais os programas desportivos especiais na sua busca incessante do bruxo genuíno, torcendo para que não seja uma barata, uma cascavel ou mesmo um crocodilo. Até um urso de peluche serviria, se o vento o inclinasse para o lado da bandeira da selecção vencedora.
Esta faceta pitoresca do entusiasmo futeboleiro não é diferente de muitos outros estratagemas a que o anónimo sem jeito nenhum seja para o que for recorre para chamar a si a atenção imbecil dos caça-palermas que trabalham nos media, tanto pode ser barricar-se num apartamento de Chelas gritando que tem uma bomba quase a ferver no interior do micro-ondas como aproveitar o sucesso da filha pimba num programa televisivo inenarrável mas muito popular entre as massas devoradoras de tudo quanto acontece nas capas das revistas ou nos ecrãs (e cada vez mais nos monitores).
De cada vez que acontece algum evento capaz de congregar multidões ou de encaixar num espaço do tempo mediático as referências de que toda a gente quer estar a par, lá teremos centenas ou milhares de cidadãos convictos do seu direito ou mesmo do seu mérito para justificar nem que seja metade do rosto apanhado na borda da fotografia a um famoso qualquer.
Naturalmente, os cidadãos anónimos e sem jeito para seja o que for terão que disputar com outros cidadãos, igualmente anónimos mas com um talento especial qualquer, a atenção de quem forja famas e fabrica fortunas. É aí que entra a bicharada, como poderia entrar a tia acamada há muitos anos em coma profundo e que de repente acorda e alguém se lembra de ligar para uma televisão ou um jornal. São testas de ferro perfeitos para os seus porta-voz de circunstância que assim recolhem os louros da atenção sem os espinhos da necessidade de produzir, de fazer ou de dizer algo de suficientemente relevante para se transformar num momento de grande informação.
Já toda a gente sabe que não precisa de esforçar-se mais do que o necessário para se encaixar no critério de selecção dos chouriços com que se enchem páginas de publicações ou minutos de emissão, apenas pela esperteza de estar associado a uma figura de uma moda suficientemente duradoura ou apenas oportuna.
É no oportunismo que está o segredo desta receita magnífica para confeccionar enchidos que contrabalancem os horrores do quotidiano ou vão ocupando o espaço deixado vazio pela ausência de factos ou de pessoas dignas de o ocuparem ou apenas pela negligência grosseira daqueles a quem essa tarefa deveria competir. Mas preferem percorrer o país em busca do ornitorrinco capaz de adivinhar o resultado de um jogo decisivo de futebol.
E eu, o camelo do espectador, fico pelo menos a saber que a situação do país, a crise marada, não é assim tão desesperada porque afinal, seja na Amareleja ou nos arredores de Vila Real, existe um português capaz de ser dono de um bicho capaz de adivinhar pela simples consulta do menu o final de uma história tão mal jogada que até parece que o Cristiano Ronaldo vai nu.