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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

12
Jun12

A MÁQUINA QUE NUNCA EXISTIU

shark

No laboratório número sete do recém-criado (num futuro não muito distante, vendo a coisa numa perspectiva cósmica) organismo público para a investigação científica um dedicado funcionário exultava de alegria quando finalmente o director do seu departamento o recebeu.

 

- Senhor Director (a maiúscula é só para enfatizar a reverência, não se faz nada ao calhas), venho comunicar-lhe o sucesso absoluto na concepção de uma máquina do tempo!

- Uma máquina do tempo? Ó Sousa, francamente…

 

O director, Dr. Teixeira de Almeida, parou por instantes para limpar os óculos no sentido de ver melhor o relatório de 450 páginas em triplicado, com o selo branco do ministério e a rubrica do director adjunto que o Sousa pousara ao lado da pen com a cópia digital autenticada pelo gabinete de supervisão e análise, enquanto contorcia o rosto num esgar de reprovação.

 

- Então você, Sousa, a saber das dificuldades que passamos por causa dos cortes orçamentais e anda a desperdiçar o seu tempo e os recursos do Estado a inventar engenhos perigosos? Você tem ideia da quantidade de papelada e de aprovações necessárias para viabilizar uma ideia destas?

- Mas ó Senhor Director, a Humanidade sempre sonhou com as viagens no tempo, talvez se consiga um apoio comunitário ou assim…

- Homem, você já viu o risco de viajar no tempo? Quanto é que ia custar o seguro, já pensou? Quer dizer, mandamos um funcionário público para o passado, ele altera sem querer os acontecimentos, muda-nos o presente todo e depois quem é que paga o prejuízo?

- O Senhor Director desculpe, queria só dizer que o projecto da máquina do tempo foi desenhado tendo em conta essa preocupação e por isso o equipamento só permite viajar no futuro, mesmo quando, na viagem de volta, regressamos ao passado que acontecerá sempre num ponto do tempo situado no futuro relativamente ao ponto de partida…

- É por estas e por outras, Sousa, que o meu amigo não progride na carreira com maior rapidez. As coisas têm que ser bem pensadas, não basta ter ideias mirabolantes e toca a andar para o progresso como se o mundo acabasse amanhã e o Sousa pudesse assistir hoje ao acontecimento. Lá por não arriscar o recuo no tempo e assim não poder alterar o rumo dos acontecimentos isso não quer dizer que haja maneira de garantir a segurança das pessoas e dos bens!

- Como assim, Senhor Director?

- Você tem ideia de quanto dinheiro e quantos postos de trabalho são gerados pelo Euromilhões, Sousa? Não tem, mas devia. No dia em que for possível viajar para o futuro quem é que vai dar emprego a essa gente toda no passado que é o nosso presente? E já pensou que entre os excêntricos beneficiados em sorteio com jackpot pode estar o filantropo que financiará os projectos futuros desta instituição? E os impostos que o Estado deixa de encaixar com essa brincadeira? Francamente, ó Sousa…

- O Senhor Director desculpe, acho que já percebi a ideia. Vou então desmantelar o aparelho e apagar os planos para termos mais espaço em memória.

- E veja lá, ó Sousa, se de futuro tem mais tino e aplica os recursos disponíveis em coisas que sejam do interesse público e que justifiquem os postos de trabalho aqui criados pelo país e que tanta falta fazem às pessoas.

 

No silêncio da pequena oficina de desmantelamento e reciclagem das criações consideradas inúteis ou obsoletas, o Sousa pousou por instantes a vista no equipamento que lhe competia destruir e pareceu hesitar.

No dia seguinte, o encarregado da manutenção e limpeza bateu à porta do CEO da WorldWide Inventions , Alberto Sousa, para lhe pedir uma substituição do detergente limpa-vidros:

 

- Somos uma empresa privada com accionistas à espera de dividendos, acha que se pode desperdiçar dinheiro em detergentes mais caros? Esse serve muito bem. Quer mais alguma coisa, Zé?

 

O colaborador deixou o luxuoso gabinete contrariado mas nem se atreveu a contestar, sobretudo quando não lhe saía da cabeça o nome da sua mulher, Ernestina Teixeira de Almeida, na carta de despedimento da papelaria onde trabalhava até ao dia em que, sem qualquer explicação, o euromilhões e todos os jogos, apostas e lotarias do planeta deixaram de existir. 

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