A POSTA NO BASTÃO AZUL
Até podia achar coincidência o facto de estas imagens de polícias ávidos de baterem nas pessoas, sobretudo pessoas que informam, acontecerem quase sempre ao longo dos mandatos laranja no poder, mas não acho.
Ao eterno apelo da Direita para privilegiar a disciplina sem dispensar a repressão para mantê-la soma-se o evidente temor do actual Primeiro-Ministro de que as coisas descarrilem nas ruas e temos garantida a receita trauliteira que as palavras do poder insinuam e a vergonha no Chiado denunciou.
Já levei bastonadas da polícia e posso confirmar que aquilo dói mais do que a picada de meia dúzia de abelhas em simultâneo num mesmo local da nossa anatomia.
Aproveitei para deitar um relance à expressão do agente da autoridade que se preparava para me aviar a segunda de mão quando entendi bater em retirada, centenas de metros até o peso da couraça daquela amostra de robocop o forçar a desistir da perseguição, e percebi que a criatura não estava de todo aberta ao diálogo e a uma amena troca de impressões acerca do facto de aquela ser (mais) uma carga policial desnecessária e violenta em demasia para o que estava em causa na altura.
Ficam fora de si, os homens fardados a quem compete espancar os que discordam ou, como no exemplo mais recente se percebe, apenas incomodam com o relato das proezas de quem se pode transformar numa destravada arma de arremesso do regime quando o caldo entorna e o povo decide reclamar onde a Democracia o deixa.
É isso que recordo quando acontece mais um episódio daqueles que o tempo e diversas investigações e inquéritos inconsequentes acabam por reduzir a um incidente sem grande expressão, até porque, como este povo pacato se apressará a referir, até nem morreu ninguém.
Pois não morreu, mas podia ter morrido. Ou pelo menos sido gravemente ferido como o jovem a quem um tiro da polícia nos desacatos nas portagens da ponte 25 de Abril amarrou a uma cadeira de rodas. E seja como for, não podemos estar reféns da dimensão das consequências para a avaliação da gravidade do que se passou.
Foi grave, como o são todos os abusos de autoridade, como o são todos os ataques à liberdade de informação que, por muitas histórias que se contem, ficam bem expressos na intimidação que se quer vincar quando se espancam jornalistas identificados na condição. Para deixar um aviso à navegação, devidamente condimentado com a sugestão de indumentária e de posicionamento para salvaguarda da segurança não dos jornalistas mas da imagem futura de um Governo que até estranha tamanha pacatez perante tanto desmando, tanta dificuldade que nos impõe a ressaca do mau desempenho de quem nos tem governado desde que a (primeira) Revolução aconteceu.
Pensava eu que o terror popular perante as fardas (na altura cinzentas) dos que batiam sem dó nem restrições ao mínimo sururu em qualquer local público, com particular apetência pelas redondezas dos estádios de futebol, treinando à época para uma ameaça real dos nossos dias, a das claques organizadas, tinha acabado mas na altura era imposto sem recear uma Imprensa censurada que virava a cara para o lado ou levava com o lápis azul, ou pior. Mas agora caminha-se de regresso a esses dias sem lei para alguns.
E é essa a vontade dos que mandam ou permitem ou sugerem que se espanquem profissionais da Informação no exercício das suas funções, substituir pelo medo as ferramentas que no passado tanto jeito deram a quem governou.
E é essa a realidade obscura por detrás destes abusos que apalpam o pulso à contestação enquanto o tentam torcer à bastonada, tentando amedrontar os que se manifestem e aqueles que possam “denegrir” com a detergente verdade dos factos todos os esforços, todos os discursos institucionais hipócritas de alegada condenação da violência que, para acontecer, careceu de alguma autorização (dita) superior e que visa especificamente intimidar todos quantos protestam as suas queixas mais aqueles que as possam amplificar.
Sai-lhes sempre o tiro pela culatra quando nem assim os conseguem silenciar.