SOPRO DE VIDA
Pelo espelho retrovisor da memória conseguia distinguir ao longe a coluna de fumo que o tempo, com a ajuda de um vento imaginário, não tardaria a dissipar.
Continuava a avançar e só olhava para trás de relance, a imagem derradeira de uma aventura tão passageira como o fogo que apenas ardia enquanto encontrasse no caminho algo de vagamente combustível para alimentar a sua energia espalhafatosa mas comprovadamente fugaz.
Já pouco olhava para trás, as cinzas apagadas, as labaredas extinguidas no passado que faz das coisas que pareciam as coisas como elas são, a clareza da visão aguçada pela pedra de amolar que a vida cuida de instalar no sítio onde as lembranças se atafulham à mercê da humidade e do pó e mirram até à sua dimensão realista, depois de uma breve troca de pontos de vista entre a emoção adolescente e a sabedoria anciã.
O sol a romper na manhã presente a escuridão de cada noite agora dada como perdida, a lógica temporária dos factos desnuda aos olhos de uma adversária com visão de raios xis, a chata da lucidez que andava desaparecida mas o tempo recuperou.
Já mal recordava o fogo que se apagou, aquela imagem derradeira no espelho retrovisor da memória para o qual já pouco olhava, sinais de fumo ilegíveis em danças da chuva sopradas, mensagens esborratadas pelo vento no céu de cor alaranjada pela agonia final da madrugada e ele sabia de antemão, gritava-lhe o instinto que ecoava o coração, que outros dias iriam nascer, a vida teimosa a prosseguir sem qualquer consideração para com todas as coisas deixadas para trás.
E ele agora já só olhava para a frente, iluminado pelo sol nascente de um rio feito de luz.