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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

16
Out11

O GLADIADOR

shark

Aproveitou o breve instante de sossego para observar o público em redor daquela arena que pisava sem querer, voluntário recrutado para lutar contra o inimigo inesperado que antes lhe apertava a mão com a proximidade de um meio irmão cuja metade mais negra deambulava agora por ali, nos olhos inexpressivos dos lutadores cansados e nas expressões alheadas daquela audiência ávida das desgraças dos outros para alimentarem a ilusão de que nunca chegaria a sua vez.

 

Na sua mão uma arma inútil, adereço, simbolizava a vulnerabilidade da sua condição, indefeso na realidade contra a besta à solta naquele espaço de ficção onde cada espectador saboreava a sua própria salvação enquanto podia, gente que se fingia incólume e encolhia os ombros perante a desdita dos seus iguais apanhados pela rede aleatória de um sistema caçador.

E ele aguardava, sentidos alerta, a sua hora de tombar naquele chão, escassas hipóteses de salvação como melhor servia os desígnios dos que concebiam a armadilha que alimentava aquela arena onde o sistema trucidava todos quantos se deixavam apanhar.

 

E ele a aguardar, em posição defensiva, um epílogo tantas vezes adiado pela vontade que lhe restava para lutar contra a besta especialmente treinada para o derrotar, como aos outros distribuídos ao acaso pelo campo de batalha encenada para fingir a oportunidade que era negada a todos quantos se deixavam ludibriar.

As armas de brincar que em nada os protegiam, os deserdados que ali se reuniam, quase vergavam com a força do vento e eles sonhavam parar o tempo no dia anterior ao que os arrastara para ali, aos poucos, olhados como loucos pelos mais afortunados que se acreditavam superiores na sua condição de espectadores daquela chacina anunciada, daquela luta fratricida entre as presas da besta feroz para lhe merecerem misericórdia pelo mérito que lhes assistisse naquele lugar, em vão.

 

A besta não tinha coração, era apenas uma máquina concebida para expurgar todos quantos ousassem falhar os compromissos impossíveis com as garantias tão falíveis que sentiam agora no chão uma espécie de efeito alçapão que aumentava o aperto do nó nas gargantas de quem aguardava a sua hora de cair.

Chegava a hora de acertar as contas entre a força dos poderosos e a fragilidade dos ambiciosos que gostavam de sonhar e não pensavam no azar de uma conjuntura desfavorável capaz de fazer tropeçar o mais sensato caminhar sobre as brasas escondidas logo abaixo dos seus pés.

O inferno camuflado em cada asneira que se fez e no triste resultado final para aquela legião patética que ignorara a mensagem profética do oráculo nas lições do passado, a história dos milhões que haviam tombado em circunstâncias quase iguais.

 

E ele ansiava cada vez mais um desfecho, os nervos em franja, venha quem quer que seja, os polegares virados para baixo menos ameaçadores do que a fileira de indicadores apontados para a porta de saída dos cadáveres sociais, a indiferença dos seus iguais tão bem expressa na apatia, a solidariedade que não recebia por parte de alguém capaz de perceber a injustiça daquela farsa, daquela guerra postiça não declarada por instituições travestidas em forças do mal.

 

Aguardava o momento final já sozinho na arena, sem nunca se admitir digno de pena por parte de quem pela desconfiança injustificada o condenou.

 

E mesmo quando finalmente tombou, já a assistência debandava, o seu indicador apontava com precisão o lugar onde deveriam meter cada polegar que tanto podia descer como subir.

Logo abaixo da coluna que nem assim lhe conseguiram partir.

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