POUCA TERRA
Pouca terra sobre uma terra imensa com um horizonte sem fim, debruada pelo alinhamento monótono das traves nos carris, cosida a sangue frio pelas máquinas que preparam os caminhos que o ferro irá seguir.
Pouca terra naquela que se torna terra de ninguém, desertificada, abandonada pelos que ali viveram um dia sem a incómoda companhia do monstro que lhes assustava os animais e trucidava costumes ancestrais com o advento de uma modernidade que não conseguiam entender.
Pouca terra sobre uma terra condenada a perder a face, desfigurada por aquela linha recta na sua pele deserta que era apenas o princípio de uma explosão, demográfica, noutros pontos de passagem desta triste carruagem metálica cuja janela funciona como uma tela na qual o tempo artista oferece os seus dotes de pintor.
Pouca terra a caminho da terra queimada pelo sol do progresso onde ninguém aguarda o regresso a uma estação distraída que deixou passar o verão, entretida com os sinais da chegada do outono nas suas telhas arrastadas como folhas pelo vento, deslocação do ar, daquele comboio cinzento a passar, cheio de pressa para chegar ao destino traçado na muita terra que treme à sua passagem, mais um percurso, mais uma viagem, rumo ao inverno futuro pintado no inferno presente de um céu muito escuro num horizonte bem real, pouca terra até à terra anoitecida com o prenúncio de um temporal.