ONDE MENOS SENTIDO FARIA
Nunca tentei esconder a repugnância que me provocam os bombistas, suicidas ou não, muçulmanos ou não, cobardes e desumanos sempre.
Se há causas pelas quais valerá a pena oferecer a vida, não faltam formas dignas, corajosas, de o fazer. Corajosas na força necessária para enfrentar um inimigo olhos nos olhos e com a dignidade mínima exigível a qualquer guerreiro, a suficiente para distinguir um inocente de um deliberadamente hostil.
Quem conhece Marraquexe sabe o quanto as diferenças religiosas, linguísticas ou outras se dissipam naquela mistura constante de marroquinos com europeus.
Também por isso, o atentado bombista que vitimou dezasseis pessoas, tudo indica que um português também, constitui uma traição ao povo de Marrocos e a tudo o que naquele espaço património mundial se construiu ao longo de muito tempo de convivência sã e de enorme importância económica para uma nação de tal forma dependente do turismo e sem muitos dos apelos turísticos de outros países mais evoluídos do magrebe.
Um atentado bombista, ainda que envolvendo o martírio de um imbecil qualquer, jamais poderá ser justificado enquanto indispensável no contexto de uma guerra e ainda menos conotado como um acto de coragem merecedor de qualquer tipo de homenagem ao cobarde capaz de arrastar gente inofensiva, civis até do seu próprio povo e com as mesmas convicções, crianças, alvos indiscriminados que afinal são destinados a morrer para alguém chamar a atenção para uma causa que acreditam superior às vidas seja de quem for que esteja no local errado na pior hora.
O café Argana era um ponto de encontro da praça Jemaa El Fna, uma passagem obrigatória de todos os roteiros turísticos da cidade agora manchada com sangue que a quem por lá passou só pode chocar pelo nível elevado do patamar do absurdo, pelo contra senso de acontecer uma tragédia assim num local que desmente todos os argumentos com os quais os fundamentalistas recrutam os seus assassinos anónimos.
É uma sensação desconfortável, perceber o golpe que o atentado constitui para aquela terra mais próspera do que muitas em Marrocos precisamente pelas receitas que o turismo lhe traz.
E juntam-se ao nojo a revolta e o desprezo por estes canalhas sem coração que, alegadamente em nome de um Deus que nunca toleraria o assassínio ou mesmo o martírio dos seus fiéis, matam e morrem, sobretudo nestes moldes particularmente desonrosos e cruéis.
É que por muito que os cabecilhas terroristas pintem a coisa como uma prova de força para impor pelo medo o respeito que não merecem aos seus alvos ocidentais, esta chacina em concreto visa apenas minar a economia de Marrocos para abrir caminho por entre o desespero das suas gentes até ao poder onde pretendem instalar uma ditadura pior do que as que os povos árabes combatem nesta altura nas ruas com um heroísmo que nunca um cobarde bombista conseguirá exibir perante os outros ou mesmo na memória colectiva dos seus.