A POSTA À BENFICA
Ser benfiquista implica uma série de características que se fazem reflectir, por exemplo, nos pormenores requeridos a dirigentes, treinadores e até aos próprios jogadores da equipa para poderem gerar empatia com os seis milhões (mais coisa, menos coisa) de adeptos do maior clube do mundo.
O Benfica, mais do que tudo, é um estado de alma. Se o futebol fosse música o Eusébio seria o Amálio Rodrigues, pois quase tudo no Glorioso é fado e o fado é acima de tudo emoção.
O público habitual do Estádio da Luz é um sentimentalão, à medida de um clube capaz de erigir uma estátua ao seu expoente máximo em tempo útil, com o homenageado a poder ver com os seus olhos a imagem do culto no qual os benfiquistas são verdadeiramente insuperáveis.
Essa forma de estar dos lampiões, generosos a mimarem os “seus”, os que conseguem ser da casa em tudo o que isso representa, constitui de resto a única característica que consegue superar o nível de exigência encarnada, como se viu pelo entusiasmo moderado pela conquista da terceira Taça da Liga que, para todos os efeitos, é um troféu irrelevante no contexto da mentalidade benfiquista: mais de quarenta anos depois ainda nos sentimos campeões europeus como se tivéssemos ganho a taça no ano que passou…
A mística que Jorge Jesus não compreende nem respeita
Ou seja, no Benfica é prática corrente apostar de forma sistemática nos meninos de ouro que arrebatam a paixão benfiquista, jogadores raçudos, empenhados, orgulhosos de envergarem a camisola pela qual lhes é exigida uma disponibilidade só comparável à dos gladiadores de um outro império que entretanto se eclipsou.
É essa a forma de estar e por isso jamais um benfiquista a sério poderá aceitar que um lagarto como Jorge Jesus desrespeite os códigos de conduta benfiquista ao ponto de ser óbvia a perda daí resultante em termos de ligação dos adeptos à equipa e mesmo, só isso explica a oscilação no rendimento dos jogadores que mais se identificam com o Benfica à antiga, nos resultados obtidos.
E nesse, o da esmagadora maioria, o que Jorge Jesus tem feito, por exemplo, ao Nuno Gomes constitui uma traição aos tais valores que o clube não dispensa e sem os quais acabará por definhar.
Ontem estive na Luz para assistir a esse momento histórico de termos duas equipas portuguesas numa meia-final de uma competição europeia de futebol, algo de impensável alguns anos atrás, mesmo quando Benfica e Porto conseguiam quebrar a hegemonia das mais poderosas nações do mundo do futebol.
O primeiro mau augúrio que me saltou à vista revelou-se quando anunciaram a constituição da equipa e dei pela falta do homem do jogo na mais recente final que a equipa disputou.
Moreira, o guarda-redes que ofereceu talvez o único troféu que o SLB ganhará nesta época desportiva até agora merdosa, não mereceu da parte do treinador o prémio da participação no momento especial que a sua presença no plantel muito ajudou a merecer.
Foi mais uma exibição clara do quanto a única relação entre o lagarto Jesus e o grande clube que o contratou é a que deriva da sua postura chunga, sempre do agrado dos adeptos benfiquistas (temos um fraquinho por reguilas, sim, mas menos do que nutrimos por gente com verdadeiro amor à camisola e ao emblema da instituição), e o facto de ter conseguido à rasca um título de campeão nacional (que tem sempre o condão de sensibilizar a multidão benfiquista).
O espectro do descalabro
Contudo, esse divórcio entre a insensível mesquinhez do falso louro burro (falso na parte do louro) e a generosidade do público benfiquista para com quem exibe em campo a tal alma fadista feita de empenho, de entrega, de autêntica luta por uma causa como a entendemos faz-se sentir no ambiente vivido no interior do Estádio, triste, animado de forma artificial por locutores nos altifalantes, por barulho de luzes que não bastam para iluminar a alma benfiquista, algo que colegas de profissão de Jorge Jesus, como Vilas Boas, no Porto, conseguem interpretar na perfeição, logrando sucessos que derivam da tal mística que fulanos como o actual treinador do Benfica jamais conseguirão inspirar ou sequer entender na sua visão pequenina do que faz um grande clube nacional.
Jorge Jesus não tem alcance para perceber o que está em causa, para seguir o exemplo de outro lagarto, um dos poucos ontem em campo que personificam aquilo em que os benfiquistas acreditam. Carlos Martins, tantas vezes deixado de fora pelo treinador do Benfica, era, a par de Luisão, Fábio Coentrão, Javi Garcia e Pablo Aimar, um dos poucos jogadores que jogam à Benfica, movidos pela corrente que se gera na magia da ligação entre adeptos e o seu clube e a sua equipa que querem composta de putos capazes de chorarem por marcarem um golo ao Benfica e de virarem a cara a pequenas fortunas para acabarem a carreira no clube do coração, como Rui Costa.
E é por isso que muitos benfiquistas como eu, sabedores do esmagamento por parte do FCP a uma das melhores equipas do futebol do país campeão mundial, não conseguiram evitar olhar para a vitória escassa sobre o Braga como, às tantas, uma oportunidade de não passarmos à final e assim se evitar, num confronto directo com exposição a nível mundial, a repetição das humilhações já sofridas ao longo de mais uma época que só não será para esquecer se acontecer um milagre daqueles de que só Jesus, o Outro, seria capaz.