A POSTA QUE EU TAMBÉM NÃO VI, SÓ CHEGUEI AGORA
Logo ao início da tarde, um taxista e um motoqueiro com os caminhos cruzados num ponto infeliz de intersecção. A mota espalhada no chão e o respectivo proprietário também.
A multidão reunida em minutos, batalhões de mirones aquartelados por toda a parte que reagem com enorme prontidão quando chamados a observar, sempre à posteriori (porque quando se pedem testemunhas ninguém viu nada e acabou mesmo de chegar), o rescaldo da ocorrência.
O rapaz, que levou uma pancada no lado esquerdo e foi acabar tombado contra uma carrinha (mal) estacionada no lado direito, completamente desorientado pela surpresa e indignado com a falta de respeito pela todo-poderosa regra da prioridade esbracejava e até parecia ter-se safado bem, podia ter sido bem pior – como afirmava alguém de entre os observadores estrategicamente colocados para trocarem umas impressões -, ia constatando as mazelas à medida em que arrefeciam corpo e ânimo mas, filho do bairro, quando a família chegou, mulher e filhos, e o mais velho, dez anitos ou por aí, começa a chorar por ver o pai naqueles propósitos e o motoqueiro vai-se abaixo com o susto e o mimo.
Chega a ambulância, mais os amigos e vizinhos que levam a cabo um inquérito preliminar e bom senso o do fogareiro que em momento algum contesta ou levanta a voz.
De braço ao peito e expressão visivelmente alterada pela dor lá segue caminho para o hospital e fica alguém de confiança a certificar-se de que foi chamada a polícia, como recomendam os mirones mais calejados naquelas andanças, para poder prestar declarações.
Chega a polícia, já passa das cinco. O taxista, colete amarelo como manda a lei, conta a sua versão. O condutor da carrinha exibe documentos e prepara-se para contribuir para as receitas eventuais enquanto um dos agentes da autoridade procede às medições para o auto que as seguradoras irão solicitar para o apuramento de responsabilidades.
Os mirones não desmobilizam, revezam-se.
A tarde perdida no meio de um cruzamento, dezenas de pessoas envolvidas na situação, a culpa foi deste, a culpa foi daquele, imbecilidades a jorro de quem percebe de tudo e mais alguma coisa porque só assim pode dar o ar.
A mota levada por um familiar.
O táxi, poucos danos visíveis, a seguir caminho para mais uma bandeirada.
Dois amigos, anciãos, o tempo todo na troca de palpites, os carros mal estacionados e o gajo que é culpado porque apanhou o rapaz pela traseira e esta malta anda na estrada sem cuidado nenhum, logo um profissional, devia ter vergonha, e entretanto já mais ninguém no local e o assunto esgotado e um sorriso sacaninha no rosto de um dos dois quando decide romper um breve silêncio.
- Atão e o teu Sporting?
- Vai à merda, pá…