A POSTA POR SISTEMA
Sobretudo no mundo do futebol, mas um pouco por todas as actividades, assentou arrais uma expressão daquelas que o povo usa para sintetizar um problema crónico, para encontrar uma explicação simples em versão bode expiatório para tudo o que corre menos bem ou simplesmente não avança.
Essa expressão é o sistema, um conceito cuja interpretação depende sobremaneira da posição relativa da pessoa quanto ao sistema em análise.
De facto padece de análise, esta manifestação de impotência colectiva perante uma forma de poder traduzida, grosso modo, num conglomerado de interesses que começa por ser um feudo específico em determinado sector e que funciona como um vírus capaz de converter, por exemplo, uma articulação numa pedra. A partir daí a coisa alastra até todo o corpo (neste caso uma organização ou mesmo várias) até à paralisia quase total. Ou seja, a coisa até funciona mas apenas em função dos interesses que o tal sistema alegadamente servirá e ao ritmo lento que melhor se adequa à respectiva manutenção.
O sistema surge assim como um papão que espalha uma doença terrível que impede o correcto desempenho de um qualquer mecanismo criado para fazer acontecer algo que até acaba por acontecer mas em moldes que escapam ao controlo da população em geral e mesmo dos poderes que são sempre suspeitos de cumplicidade com qualquer sistema.
Na verdade, a imagem colectiva desse conceito sinistro associa sempre rumores ou mesmo suspeitas que nunca se traduzem em algo de concreto mas cria uma mística de invencibilidade em torno desse monstro que desvirtua as boas intenções de qualquer conjunto de regras ou de pessoas manipulando os cordelinhos de paus mandados nos bastidores dessa casa dos horrores que ninguém sabe bem onde (e como) fica mas toda a gente já ouviu falar.
A conjugação da impunidade presumida dos componentes de um sistema, por norma poderosos e muito hábeis na defesa daquele todo que deixa ver apenas contornos desfocados por detrás de um véu imaginário, com a passividade tradicional perante estas coisas (compadrios, cunhas, desenrasques, alianças por conveniência ou em torno de um elo de ligação natural como o vínculo familiar ou de simples vizinhança), tudo isto cria uma aura artificial de indestrutibilidade que acaba por constituir ela própria um dos principais argumentos para o perdurar do tal sistema que parece existir fora do nosso, o Solar, tamanha a (aparente) dificuldade em lhe identificar as características, localizar o pouso e cortar o mal pela raiz de forma... sistemática.
Não faltam alegadas vítimas dos vários sistemas que responsabilizamos, não podendo ser o Sócrates, enquanto culpados do costume quando as coisas parecem emperrar logo que caem sob a alçada do sistema, esse malandro anónimo que arrasa todas as ameaças potenciais à sua existência que se presume eterna até prova em contrário e essa nunca aparece inequívoca o bastante para prenderem os (alegados) maus e entregarem de novo o circuito e a cadeia de interesses às pessoas de bem. Mas essas escasseiam, tal como eventuais paladinos, cavaleiros da lei e da ordem capazes de enfrentarem o dragão (mesmo que tenha a cara chapada do Pinto da Costa ou de qualquer outro suspeito de arquitectar um sistema à medida das suas necessidades ou dos seus mais próximos) com a audácia e a descontracção de quem abraçou como causa o seu martírio.
Concluo esta breve incursão pela mitologia urbana adiantando que esta posta se deve em boa medida à influência perniciosa daquilo que a motivou.
Mas é possível vencê-lo (o bicho mau): Bastou dar-me para trabalhar um nadinha e o meu sistema (o informático) de imediato crashou...