O PORTUGAL DOS PEQUENINOS
Era uma vez um edifício chamado Portugal, ocupado na esmagadora maioria por herdeiros dos seus primeiros ocupantes.
Um dia, quem mais ordenava no Portugal decidiu abraçar a propriedade horizontal e foi uma festa no edifício. Unidos venceriam todos os problemas e em plena euforia pelo privilégio que isso representava decidiram promover a primeira assembleia de condóminos na qual, e apesar de as opiniões divergentes darem origem ao nascimento de sub-grupos entre os vizinhos, elegeram a primeira administração do condomínio.
Tudo parecia correr bem, embora fosse indisfarçável o mal estar provocado pelas divisões internas, nomeadamente por causa da tendência dos grupos minoritários e menos próximos dos elementos da administração estarem sempre do contra e com palpites acerca da melhor forma de fazer as coisas perante uma maioria de vizinhos descrentes.
Porém, as coisas complicaram-se quando, passados uns anos sem que alguém se ralasse com os sinais preocupantes nos sucessivos relatórios de contas ou com os indicadores visíveis de má conservação nos interiores, as reuniões cada vez mais vazias e mesmo no limite para garantir um quórum digno desse nome, começaram a surgir fissuras na fachada e os moradores dos prédios contíguos ficaram a conhecer a balda que por ali reinava.
Mas não ficariam por aí as broncas que ainda mais acentuaram as divergências. Com as reuniões cada vez menos concorridas e os voluntários para a administração, sempre os mesmos, a alternarem a tarefa que diziam ingrata mas assumiam com enorme sacrifício pessoal e porque mais ninguém se oferecia, os vizinhos preferiam discutir os problemas e palpitar soluções nos patamares dos seus pisos, acrescentando ao mau ambiente do edifício as suas críticas incessantes e inócuas a cada administração em funções mas sem darem o corpo ao manifesto para fazerem melhor, o Portugal foi-se deteriorando aos poucos e depressa atingiu o limiar da habitabilidade.
Metia dó, aquele outrora orgulhoso edifício.
Contudo, os vizinhos que se abstinham de participar no que apelidavam de arranjinho entre as partes insistiam em arrastar cada vez mais moradores para o que já defendiam como arma de luta, a ausência sistemática do único momento onde podiam tomar decisões e tratar de as levar à prática, deixando a administração entregue aos vizinhos que tanto criticavam por fazerem mal o que eles recusavam tentar fazer melhor.
Os anos foram passando assim, com as contas cada vez mais no vermelho e o edifício chamado Portugal de tal forma abandalhado que um dia apareceu um inspector que tomou o controlo das contas da administração e assim passou um atestado de incompetência a todos os moradores.
E passado algum tempo o edifício Portugal desabou e todos os agora sem abrigo choraram e é uma pena mas nesta história não havia mesmo maneira de encaixar um final feliz.