A POSTA QUE NEM O PORTAS IRIA TÃO LONGE
Sempre que desleixo a minha costela esquerdalha e começo a resvalar para o discurso do fim das ideologias, das diferenças entre Esquerda e Direita, aparece um facto que me desperta para a realidade da coisa.
A ideia peregrina de eliminar da Constituição a expressão justa causa, substituindo-a por uma outra mais ambígua para facilitar a vida ao patronato quando entende despedir pessoas constitui, para além de um insulto a quem lutou por coisas tão garantidas hoje como o direito a férias e outros do género que dantes não existiam como dados adquiridos, uma clara marcação de território por parte do novo menino de ouro do PSD e, provavelmente, o prenúncio de mais uma desilusão laranja em matéria de liderança.
Aliás, basta ter em conta o milagre de Passos Coelho ser o primeiro líder social-democrata a conseguir a proeza de fazer Alberto João Jardim soar comuna nas suas intervenções a propósito deste assunto tão melindroso quanto esclarecedor.
No fundo, o PSD acaba de assumir o que espera os portugueses se alinharem na sanha persecutória à única opção de poder que, boa ou má, nos resta. Não há como escamotear essa verdade incómoda: se nas próximas eleições vier a confirmar-se a substituição da praxe nesta alternância democrática à americana os menos abastados têm uma vida dura pela frente. Basta antevermos o que resultaria de uma maioria absoluta laranja, sobretudo se a soma dos deputados do PSD com os do CDS/PP permitisse os dois terços necessários para as revisões constitucionais.
Não há forma de dourar a pílula: a Direita quer aproveitar a boleia da crise para retroceder umas décadas no tempo e legalizar os excessos que o papão do desemprego suscita, sob o falso pretexto de atrair o investimento estrangeiro com a flexibilidade dos despedimentos associada aos salários made in China.
E isto, boa gente, é a Direita em todo o seu esplendor.
Assim sendo, mesmo no meu confortável estatuto de quem não depende de patrões, nada mais me resta do que regressar à minha posição canhota (também) nisto da política e radicalizar o discurso na proporção da ameaça que este novo PSD traduz para os valores que me são gratos e intocáveis.
Ou a malta acorda para a dura realidade ou não tarda temos de volta os dias em que ser trabalhador por conta de outrem quase equivale a ser refém de quem possui o dinheiro e o poder para decidir quem tem direito a um salário digno e a condições de trabalho decentes.
E sabemos bem, os que não perderam a memória, ao que essa força sem mecanismos de controlo ou travões legislativos equivale em matéria de abusos por parte de quem a possua.