01
Mar06
A POSTA NO ABANDONO
shark
Foto: sharkinho
É óbvia a propensão dos portugueses para abandonarem os seus animais de estimação à primeira contrariedade. Ou porque vão de férias e não têm a quem deixar o empecilho, ou porque o empecilho cresceu e a criancinha deixou de achar piada à novidade que passou. Ou apenas porque existe uma tradição lusitana de descartar os empecilhos sem problemas de consciência.
Isso verifica-se igualmente com os empecilhos de duas pernas.
Agora que a gripe das aves acaba de produzir a sua primeira vítima de quatro patas no continente europeu, um felino com apetites proibidos, será de prever que outros mamíferos carnívoros (como os cães, claro) comecem a tombar que nem tordos (a comparação faz sentido nesta altura) e que isso constitua um factor adicional de motivação para o abandono da bicharada num ermo qualquer.
Nada melhor para tranquilizar uma consciência do que uma boa justificação.
- Então que é feito do teu Bobby?
- Ó pá, nem me digas nada. Tive que o entregar (notem a ligeireza deste entregar) a quem cuidasse dele (a divina providência), por causa da gripe, tás a ver? Um gajo não pode arriscar
- Deve ter-te custado imenso
- Custa sempre um bocadinho, por causa dos miúdos e tal, mas a vida é assim. Uma pessoa afeiçoa-se aos bichos, mas isto é como no resto, tem o seu tempo. Ao princípio achávamos piada ao animal, mas aos poucos uma pessoa acaba por se fartar, sabes?
- Como assim?
- Atão, mesmo o amor aos animais de estimação tem um prazo de validade
- Como os iogurtes?
- Exactamente. São muito apetitosos quando os compramos, mas depois estragam-se, perdem aquele interesse que um gajo desenvolve quando os vê na prateleira. Depois, quando os temos como certos no frigorífico, deixamo-los lá ficar, sem lhes ligarmos pevas, até azedarem. O que é que se pode fazer, a vida é mesmo assim e uma pessoa tem que sentir-se livre de optar e motivada, nestas coisas
- Pois é
Depois, têm que andar gajos como este à procura de soluções para evitar o abate sumário que acaba por ser, em face do sofrimento que o abandono implica nos bichos, a opção mais piedosa.
E sorte têm os animais que se vêem apoiados por pessoas assim ou que, como o meu cão, conseguem descobrir quem lhes deite a mão nessas circunstâncias. Muitos são os que suportam sozinhos a desdita e vagueiam pelas ruas à toa, em busca de um milagre que o tempo, na maioria dos casos, acaba por desmentir.