A POSTA NO RENASCIMENTO VISTO À LUPA
Foto: Gaija do Norte
Michelangelo terá levado três anos a concluir a sua eterna estátua de David, esculpida em mármore de Carrara com todo o pormenor. Florença ficou assim definitivamente conotada como berço do Renascimento cultural e turistas do mundo inteiro disputam um lugar na primeira fila dos observadores da famosa escultura. E porquê na primeira fila? - perguntarão as pessoas mais atentas.
Bom, começo por referir que quem pretenda enriquecer o seu espólio cognitivo na matéria deve dirigir-se sem demora à Wikipédia.
E volto então à importante questão da primeira fila, embora essa importância se cinja ao cerne desta posta. Claro que a ambicionada proximidade do objecto de culto em causa possui motivações óbvias (“mãe, amigos, vizinhos e colegas de trabalho, estive aqui!”) e outras mais do foro oftalmológico.
Ninguém fica indiferente ao rigor anatómico da obra. Mas ninguém fica entusiasmado, sobretudo quando se debruça o olhar sobre a zona dianteira da estátua.
Sim, estou aos poucos a aproximar-me do tal cerne da posta e já há muito ultrapassei o umbigo bíblico em sentido descendente...
É que o heróico David, capaz de derrubar matulões à fisgada, possui na sua representação mais célebre um contraponto a essa relação de grandeza.
Sim, já lá estou.
Acontece que quem vê os contornos do rapaz de pedra a partir das costas pode criar determinadas expectativas frustradas quando finalmente contorna o pedestal para a apetecida visão frontal que, para alívio de muitos acompanhantes de pessoas interessadas na coisa, peca um nadinha por escassa.
Ou o Michelangelo deixou escapar sem querer o cinzel mesmo no ponto mais delicado ou o tomba-gigantes é uma estrela anã.
De facto, e por muito boa vontade que se tenha, pouco há a dizer acerca de uma pila que em repouso fica menor do que um polegar do fulano esculpido excepto que é uma alegria saber que estão acessíveis ao público em geral estes termos de comparação tão favorável.
É um mistério porque o artista terá optado por um rigor que com toda a propriedade podemos considerar milimétrico, embora se presuma que terá a ver com o pudor herdado da Idade Média que obras como esta ajudaram a enterrar nas trevas.
Contudo, bem vista a coisa, podemos sempre considerar que o grande pintor, escultor, poeta e arquitecto entendeu simbolizar (escolheu o centro das atenções, não é?) que depois dos tempos medonhos, a Europa meio morta estava mesmo precisadinha de uma renascença...