A CONVERSAR COM OS SEUS BOTÕES
Etilizado, sentou-se na cadeira de baloiço do alpendre e ficou entretido a observar a agitada perseguição policial. Quase ouvia zunir as balas trocadas, apanhado no fogo cruzado entre as forças da lei e os malfeitores, petrificado por aquela situação.
Acelerava em demasia o coração, de cada vez que via tombar um dos participantes no tiroteio que se instalara diante da fachada da sua casa em madeira à beira de uma estrada secundária no meio de um ermo qualquer, na sua terra natal.
Quase tanto como quando vivia no estádio, assim o julgava, as emoções de cada jogo da sua equipa que queria campeã ou quando seguia o drama de uma família desconhecida apanhada no meio de uma trama qualquer que se arrastava ao longo de meses numa novela vivida diante do seu olhar.
A vida a acontecer, permanente, num mundo que não o deixava fugir da realidade como a sentia, perigosa, confusa, perturbadora do sossego que buscava na miragem, na memória, de um horizonte sem fim que o agarrava à cadeira de baloiço do alpendre que não pisava desde a década de setenta em que migrara para outro lugar.
E foi por isso que acabaram por o encontrar ao fim de alguns dias sem dar conta de si, sentado afinal no sofá do seu apartamento nos subúrbios da cidade onde vivia há anos voluntariamente enclausurado, sozinho, uma velhice demente, fulminado por um enfarte e com os dedos da mão direita contraídos como pedra em torno do comando à distância da televisão.