29
Jan06
ENCHIDO DOMINICAL
shark
Foto: sharkinho
O importante é ficar indiferente à agressão. Uma indiferença planeada, calculista, assumida em legítima defesa contra os sinais exteriores da tristeza que nos pode contagiar.
Uma vacina, inoculada na alma para preservar o coração.
O ataque pela calada, discreto, com a guarda avançada de um agente secreto equipado para tomar o território com a manha de um cavalo de Tróia. A galope pela planície, convencido pelo silêncio da guarda desprevenida (uma desatenção fingida) a avançar sem temor rumo ao desfiladeiro, sem cuidar uma emboscada passível de acontecer.
Confiante na vitória, monta um acampamento às portas do bastião e aguarda os reforços no meio dos destroços da batalha anterior. Não luta pelo amor mas apenas pela glória de quem soma outra cruz na fuselagem, a conquista de outra margem com as armas que a cobardia inventou.
Estandarte espetado na terra alheia, cruel, como uma bandarilha no dorso sensível do touro que já nem investe contra o matador. A confiança de um vencedor nos trunfos acumulados, os espaços ocupados com uma estratégia genial. Simular o bem para fazer o mal (sem querer, claro está) e sem perder a tranquilidade na consciência.
Um jogo de paciência que desarma a oposição. Faz de conta que estou do teu lado e como és desbocado vou recolher mais uns nabos da púcara. Para os espalhar depois, como uma sementeira de descrédito no terreno fértil da embirração gratuita. A vulnerabilidade exibida na arena, como uma ferida a jeito para quem a quiser remexer.
Apenas pela satisfação coscuvilheira, uma trica mesmo à maneira para alimentar conversa de circunstância ao telefone ou pelo teclado do computador. Ou à mesa de um café, conspiração, sabes a última do interior das muralhas?
A defesa está entregue a um imbecil
As tropas invisíveis arrastam-se sem pressa pelos campos lavrados do inimigo comum. De esguelha. A linha da frente no flanco desguarnecido, como julgam, certeza no cagar pela leitura de um relatório feito em cifra pelos agentes infiltrados que apontam com o dedo o local indicado para a dentada do cão.
Deixou-se morder, está perdido. Ficou distraído com a dor que sentiu quando as mandíbulas se cerraram, outra vez no mesmo anzol.
Avance o exército invasor! Ao longe o fragor das botas cardadas que pisam o chão. Terras devastadas pela praga de gafanhotos, queimadas sem dó pelo fogo da pequena traição. Prometo que não conto nada a ninguém, os filhos da mãe são um poço sem fundo para os segredos que emprenham pelos ouvidos e libertam na defecação. Netos nascidos com uma malformação congénita, no cheiro e na cor. Desdenham a amizade e zombam do amor, são coisas peganhentas que se orgulham da família, aprendizes de mafiosos com tiques de cães raivosos que atacam nos pontos mais fracos das vítimas de ocasião.
Indiferente à agressão, a muralha sitiada alberga uma surpresa danada para os que a pressentem sem guarida. Nas ameias os panelões com o azeite fervido, para cada atrevido uma dor especial. Arqueiros escondidos à entrada do portão, ponte levadiça que se ergue com o inimigo à mercê na praça central. Sem fuga possível, a informação disponível era apenas um ardil.
Como ratazanas aflitas, como baratas tontas, colidem entre si na ânsia de escapar ao castigo que a sua conduta leviana e imprudente justificou.
O filme acabou assim. Vingança no fim, carnes frias. Carcaças vazias das baixas sofridas nas fileiras de figurantes e de figurões, espalhadas ao acaso pelo campo de batalha improvisado. Combate encenado para adornar outra história, a fixar na memória da plateia que abandona o local sem atenção ao genérico. Letrinhas pequenas a correrem no monitor, ignoradas.
E nas cadeiras vazias já estão instaladas as armadilhas, os efeitos especiais para assustar o espectador desatento que regressa em cada sessão à procura de uma nova emoção ou de um enredo diferente. Um final surpreendente para um conto de réis, mil paus nos costados, cinco euros poupados no cinema das vidas alheias acossadas pelos fantasmas da sua ingenuidade infantil.
Soa baril, mas é uma porra.
Às vezes esturra, este espeto de imagens que rodam em lume brando.
O fogo soprado reanima, alimentado pelo ar que se esgueira pelos lábios viperinos da turba. Nos seus intestinos fermentam ideias, moscas presas nas teias em delírios de soltura. Liberdade sonhada da ratoeira montada para o final feliz de outro episódio concebido para o gáudio das multidões oportunistas.
Afinal era banhada, esta história mal contada pela voz de um péssimo actor. Uma inócua narrativa, um filme de terror para incutir na audiência o estado de alerta.
A consciência desperta e não tarda a produzir resultados.
Ficam avisados e não poderão alegar a ignorância. Mesmo a esta distância, estende-se o longo braço da lei ao encontro dos vossos pecados.
Uma lei divina que é como uma puta fina que selecciona os seus alvos em função da aparência.
É uma consequência, a anedota da bolinha de pingue pongue amarela no canto superior deste ecrã. Seria vermelha a argolinha se antes enveredasse por me ir despindo, num strip tease total.
Mas é hoje é Domingo, tou ca telha e tá um frio do caraças! Esperavam o quê, afinal?