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Dez04
OS NETOS DO HORROR
shark
Feliz Natal!
Pura coincidência. Quando o filme estreou eu estava em Colónia com um amigo. Com algumas horas para ocupar nesse serão, decidiramos rumar ao kino mais próximo e com muita sorte deitámos mãos a dois dos últimos ingressos para a estreia.
Uma plateia jovem, aparentemente todos alemães, mais nós, dois portugas infiltrados, eu com uma barba cerrada e cabelo comprido que me garantia a cidadania turca naquelas paragens e me valeu alguns problemas ao longo da estadia, testemunhas do horror inenarrável protagonizado pela geração dos avós daquelas pessoas.
Uma após outra, as cenas sucediam-se e definiam os contornos de um passado hediondo que aquela nação, décadas antes, marcara na história com a vida e o sangue de milhões.
A carga emocional, tremenda, aterrou na sala quando o filme chegou ao fim. Nem um som, nem um movimento, luzes acesas sobre os rostos fechados de quem se debatia entre a incredulidade e a vergonha que é impossível disfarçar perante tamanha chacina.
Nem uma pessoa fez menção de abandonar a sua cadeira, já a música parara de tocar e nenhuma imagem coloria o écran. Em absoluto silêncio, os jovens germânicos fixavam o olhar no chão ou na tela vazia e meditavam acerca da crueldade insana que a película apenas recriou.
Deu-me para chorar como uma madalena arrependida, a tensão insuportável que esmagava cada um dos presentes na sala, a carga terrível que tal registo depositava nos ombros daqueles herdeiros involuntários de uma cicatriz feia e sem remissão.
Alguns não resistiram e choraram também. Outros abandonaram finalmente o seu lugar, sem pressa, silenciosos como no interior de uma igreja, sobrolhos franzidos, esgares de contrição interior.
Fomos os últimos a sair, quase meia hora depois da última imagem projectada.
Pelas circunstâncias que descrevi, a Lista de Schindler tornou-se num dos filmes que jamais esquecerei.