27
Jan06
A POSTA JÁ
shark
Foto: sharkinho
Retrato parado de um tempo congelado no momento em que a felicidade era outra.
Esboço grosseiro de uma natureza contraditória, ficou na memória a imagem de uma realidade que se escondia por detrás de um sorriso proibido que a máquina fixou.
Para a posteridade na consciência, lembrada a custo a emoção que se sentiu mas que o tempo arrastou aos poucos para o canto das imagens sem cor.
Sentimento de culpa, castigo que dura. Acarinhar a mentira enfiada numa moldura. Fazer de conta.
No sol que desponta há um futuro que brilha, em cada manhã que o presente nos entrega como uma oferenda. Há a beleza da luz e a certeza absoluta da oportunidade concedida, a esperança renascida no dia por gastar. Sem tempo para poupar, o que se escoa por entre os dedos impotentes de quem o queira chamar seu.
Passar a esponja da indiferença sobre as coisas relativas que hoje se vestem como dramas e amanhã enregelam despidas na galeria das pequenas partidas que a vida nos pregou.
Seguir para bingo com a vista colada à linha do horizonte, sempre defronte, que não é a nostalgia a criar a magia que queremos para nós. É paisagem esquecida, aquela que a vida deixou para trás.
Fotografia imóvel de uma farsa que o tempo desmascarou, encaracolada nas pontas, carcomida pelo abandono dos poucos olhares que a visitam, por acaso, no meio da limpeza do pó. É o registo guardado do tempo que acabou e não tem condições para regressar.
A vida a mudar, conjunturas alteradas nas malhas tecidas pelo acaso ou pela nossa influência. Sinal de decadência, o culto absurdo dos equívocos que se revelam na película e se perpetuam sem nexo no rosto perplexo de quem segura apenas um pedaço de papel sem sentido, valor tão fingido que acabou por falir.
Agora o pensamento concentra-se no investimento de amanhã e a lógica inviabiliza a gestão das acções atrasadas, as águas passadas que o tempo congelou no frio cortante que viria a soprar por entre as frinchas abertas de uma revelação qualquer. Ou apenas pelo desgaste natural, a pena capital para as ilusões criadas ao abrigo de uma fantasia.
Mas hoje nasceu um dia e enche-se a carteira de tempo à maneira para apostar à fartazana, sem contar os tostões. Os euromilhões são pedaços da existência, minutos contados para cada pessoa, dádivas divinas para quem ambiciona a riqueza de ser feliz.
Milionários à força, contra a falsa evidência de uma pobreza que só existe, afinal, na vida mendigada de quem analisa pessimista a cotação do presente, ignorando essa gente a fortuna que pode surgir amanhã. Ou, se calhar, até já chegou, no bilhete premiado que só é registado quando se investe na fé.
O milagre a acontecer, apenas para os que ainda cá estão.
E nessa condição de simples mortais, ingratos seremos se não cultivarmos as coisas reais, o calor dos abraços e as alegrias que nos dão.
A vida que não se experimenta nas memórias fotografadas.
É hoje que deve acontecer.
Em cada amanhecer, o apelo do amor que se faz.