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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

04
Out09

E O SOL QUASE A NASCER OUTRA VEZ

shark

e o sol quase a nascer

Foto: Shark

 

Há um vulto lá em cima, à beira de uma falésia, demasiado perto daquele terrível ponto que constitui a fronteira entre a continuidade e o fim.

Vacila, abanado pelo vento, aquele vulto que mal distingo por entre as sombras delineadas pelo reflexo do luar na superfície do mar que o espera mais abaixo para lhe oferecer o abraço derradeiro. E eu hesito entre permanecer indiferente, testemunha da ocorrência, ou sentir o peso na consciência que me torna solidário e me obriga a estender-lhe uma mão para lhe propor a salvação que talvez nem o seja para aquela pessoa desconhecida que hesita mesmo à beira do colapso, com os olhos postos no abraço das ondas que chamam por si.

 

Há um vulto lá em cima, desafiando o destino, dividido entre o sopro do vento favorável que o empurra para trás e o apelo do desespero que o atrai para diante, para o mergulho que certamente lhe trará o alívio que procura para a angústia que o tritura por dentro.

E eu assisto a esse momento, sem saber como irei proceder porque compreendo a sua dor e não me sinto no direito de interferir na eutanásia das emoções tão negativas, das desilusões tão destrutivas que enlouquecem o seu responsável, o vulto indesejável para si próprio por se saber culpado de tudo quanto o magoa, tudo aquilo que não se perdoa por provocar com a sua estupidez ou alguma forma de insanidade suicidária, alguma tendência alucinatória que o afunda numa depressão que lhe subtrai na razão o que lhe acrescenta em desespero de causa.

 

Começo a subir, sem saber se será preferível deixá-lo cair ou tentar convencê-lo a dar um passo prudente, a recuar. Sem saber se o meu gesto o irá salvar ou antes amarrá-lo mais algum tempo a uma existência que sente como desnecessária ou mesmo prejudicial para quem dele se aproxima. Mas algo me diz que devo tentar pelo menos conversar com aquele vulto iluminado pela lua cheia, mesmo não fazendo a mínima ideia se preferirá a solidão naquele momento de indecisão ou antes apreciará a companhia de um estranho na noite do seu último dia.

E eu hesito entre garantir que não acontecerá o voo que o poupará ao desgosto de se saber responsável pela infelicidade constante de quem o ama ou de o incentivar a finalmente saltar para outra dimensão onde talvez possa aprender a lição, naquele abismo que o chama, naquele mar que o reclama, a solução de que precisa para parar de desgostar os poucos que ainda insistem na sua presença, contraditórios, sendo óbvia a interferência negativa daquele vulto e dos seus delírios nas vidas que o deveriam dispensar.

 

Acabo por decidir que o devo salvar de si próprio, deitar-lhe uma corda para se agarrar em vez de se permitir um passo desesperado que provavelmente nem é justificado pela realidade que o rodeia mas apenas por uma espécie de apneia da lucidez.

 

Há um vulto lá em baixo, vemos ambos com nitidez. O de um fantasma exorcizado por uma bofetada que ecoou naquela madrugada, à beira de uma falésia onde nos abraçámos a chorar.

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