FIDELIDADE À DISCRIÇÃO
Tinham uma relação sólida, ou pelo menos assim parecia. Mas como a tantos acontece um dia, ela descobriu em conversa com uma colega de trabalho que um dos sinais de rambóia clandestina mais óbvios era o surgimento de um pacote de kleenex na viatura.
E embora confiasse cegamente no marido não tardou a encontrar um pretexto para lhe pedir o carro emprestado, sem que ele, distraído, se lembrasse do cuidado com os pormenores...
Quando se sentou no carro, ela respirou fundo antes de começar a inspecção.
Ainda alimentava a ilusão de que ele seria incapaz, diferente dos outros, os ex das amigas que a gabavam quando na verdade lhe invejavam a estabilidade da relação.
Porém, mesmo a medo, estendeu a mão para o porta-luvas e o coração disparou quando se deparou com a embalagem tão prática dos famosos toalhetes lá metida.
Tentou convencer-se a si própria das várias utilidades e explicações para aquele sinal de alerta como lho pintaram, as amigas com quem cuidara de confirmar a informação que a colega lhe transmitira, abraçou a negação.
Mas não tardou a encontrar no chão, debaixo do banco do pendura, um pedaço de papel amarrotado que não parecia de todo ter sido utilizado para a limpeza do tablier, a justificação trôpega, em substituição do pano do pó que ele nunca dispensava no compartimento situado na porta do lado do condutor.
O pó, ou mesmo o vapor do vidro embaciado que o adúltero alegou no meio da atrapalhação, deixaria o papel manchado de outro tom...
E foi simples a partir daí desenrolar o novelo de mais uma história mal contada, de uma queca que não pudera ser evitada mas não possuía valor algum, passageira, culminando num arrependimento que ela já sabia ser apenas o de ter sido negligente por não contar com a partilha de informação entre gajas.
Ela não suportaria a desilusão, sobretudo pela mentira, pela omissão que jamais poderia tolerar nos termos de uma relação como a descreviam aos de fora, orgulhosos, e o divórcio aconteceu.
Mas ele nunca descobriu que desde esse dia, a sua ex trocaria o esconderijo dos toalhetes cheirosos que trazia do seu emprego na transportadora aérea e sempre mantivera no porta-luvas do seu automóvel, descuidada, mudando-os para o interior de um espaço discreto debaixo do banco do condutor.