A POSTA NA MISSÃO IMPOSSÍVEL
Um dos maiores pecados que podemos cometer em matéria de relações humanas é exigir demasiado das outras pessoas. As expectativas exageradas ou as ambições desmedidas acabam sempre por redundar num enorme trambolhão.
E essa queda inevitável acaba sempre por causar mazelas, implicando por vezes o colapso das frágeis bases que sustentam boa parte (senão a maioria) das ligações e assumindo contornos ainda mais dolorosos e complicados quando o alvo dessa fasquia demasiado alta, o "outro" da situação, somos nós próprios.
Se a perfeição é uma utopia, qualquer anseio nesse sentido é pura estupidez. Não somos talhados para esse tipo de objectivo, vulneráveis que somos à impressão que os outros têm de nós e acima de tudo ao efeito pernicioso dos nossos medos, dos nossos defeitos e mesmo dos nossos erros de avaliação subjectiva. Sucumbimos que nem tordos ao desvanecer das miragens que perseguimos em vão, desiludidos com a confirmação do impossível na sua verdade cruel.
A realidade desmente a todo o instante qualquer tipo de ilusão criada em torno de arquétipos de ser humano capazes de jamais fraquejarem na correspondência a um qualquer modelo que nos imponhamos ou nos imponham de forma tão ingénua quanto cruel.
Somos apenas gente, uma complexa amálgama de influências cujas repercussões nos actos e nas palavras ainda hoje carece em muitos aspectos de uma explicação definitiva e cabal. Somos imprevisíveis, no melhor como no pior, incapazes de garantir a todo o instante que não acontecem desvios ao padrão de conduta e à escala de valores que desenhamos como forma de orientação.
Somos assim, frágeis na condição e incapazes de aceitar com humildade que o nosso melhor não se produz por decreto mas apenas por sorte (ou similar) de passarmos pela existência sem mácula de maior, sob a constante pressão de quem nos rodeia e que assimilamos como um aditamento à que nos impomos quando nos acreditamos capazes de nunca falhar.
Arrogantes, apontamos o dedo aos que tombam na lama da incongruência, da incoerência, de um fracasso qualquer e hipotecamos nessa instância, maus exemplos, da complacência futura quando chega a nossa vez de fraquejar.
Perseguimos sem cessar a virtude impossível, exigimo-la aos outros como a exigem de nós, num tormento constante que limita as hipóteses reais de sermos felizes como só podem ser os poucos que assumem uma postura realista e se aceitam (e aos outros) como um produto de tantos factores e circunstâncias, por vezes meras coincidências, que nos moldam a cada dia em função da própria dinâmica da vida como a conseguimos viver.
E nessa conjugação aleatória que nos faz e nos distingue (até na igualdade de oportunidades e de escolhas) não existe nem existirá um mecanismo que nos proteja, que nos ampare na queda como a sentimos quando finalmente entendemos que a perfeição, esse conceito aparentemente tão desejável, foi concebido no mesmo inferno onde se amontoam as boas intenções.