GLACIARES
O calor insuportável na pele de quem passeia diante da fachada em obras de restauração, pretos e eslavos nos andaimes sem tempo nem vontade de mandarem piropos às gajas giras que passam na rua afogueadas com as suas peles bem cuidadas, o calor insuportável que tresanda no interior do transporte público apinhado de gente sem vontade de olhar a rua escaldante por onde se passeiam pessoas aquecidas e outras que andam perdidas, vagueiam, dentro de si próprias, e não sentem na pele os raios quentes do sol que ilumina nunca a morte mas sempre a vida, melhor ou pior, dos que as gozam sob o calor insuportável da roupa que a sociedade obriga, fardada de pudor, as que escorrem o suor da labuta e dizem que a vida é uma puta nascida para os consumir, talhada para os afogar na água salgada que se verte a trabalhar enquanto outros a saboreiam no mar, injustiça, sortes ou azares.
Vida ardente na rua espreitada por detrás da vidraça arrefecida na maioria dos olhares.