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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

25
Mai09

A POSTA COERENTE (ou se trabalhar desse saúde os doentes não faziam outra coisa nos hospitais)

shark

Eu não gosto da expressão “entrar na semana” porque não aprecio as semanas no seu início definido como regresso à labuta embora até goste do termo “entrar” de uma forma geral.

Isto a propósito precisamente do fenómeno de rejeição instintivo perante a iminência de uma qualquer segunda-feira com tudo o que elas implicam. Ou seja, o raciocínio profundo que me leva a debitar esta prosa conduziu-me à polémica questão do trabalho e da forma como ele condiciona até a imagem que (alguns) outros têm de nós. Basta verem a reacção de qualquer cidadão cumpridor do preceituado nessa matéria (arbeit macht frei e assim) quando assumimos o trabalho não como um gosto mas como uma obrigação.
 
Eu sou uma dessas pessoas chocantes para quem aprecia as segundas-feiras enquanto momento ansiado de regresso a um lugar que não seja a própria casa ou uma esplanada à beira-mar (que aparentemente soa despropositada nos dias ditos úteis).
Sim, admito: não gosto de trabalhar, faço-o porque tem que ser e estou convicto de que existem mil e uma maneiras mais agradáveis de passar o tempo de que dispomos enquanto temos saúde e vontade para o desbundar. Eu não desbundo vergar a mola mas sim libertar a tola de todas as cargas negativas que um dia de trabalho sempre produz.
E é nesta linha ténue entre um gajo que não gosta de trabalhar porque entende essa obrigação como um frete (não fazemos todos aquilo que gostamos, mas sim o que nos aterra na sopa na altura de tomar decisões) e um outro que seja apenas preguiçoso e/ou moinante natural. Eu não tenho preguiça para enfrentar dias de lazer, tal como enfrento com maior alegria uma tarefa laboral que me dê prazer. Ou seja, sou homem para bulir mais horas do que o previsto quando me dá pica mas nunca perco o norte ao que verdadeiramente interessa na vida e isso, lamento contrariar a malta, não passa por termos que condicionar o tempo a um ofício que calhe para podermos ganhar prá bucha.
 
Existe uma confusão diabólica nas cabeças de quem aprendeu em pequenino a louvar o “bom trabalhador”, esse exemplo acabado de um cidadão válido que na prática consiste naquele tipo de pessoa que não se importa de mergulhar todos os dias numa tarefa desagradável e aceita esse facto como uma benesse que muitos nem depois de reformados conseguem largar.
Sim, existe quem goste imenso de trabalhar porque não tem outros interesses na vida, porque gosta do que faz (não é tão frequente como se julga) ou apenas porque foi o que absorveu do banho de educação, cultura, tradição ou pobreza que recebeu na infância. E a mim não custa aceitar e mesmo louvar essas pessoas por conseguirem enfrentar os chamados dias úteis com maior agrado do que eu (pelo menos em horário laboral).
Contudo, e reside aí a tal confusão, não gostar de trabalhar pode implicar nada mais do que possuir a lucidez necessária para discorrer da inevitável goleada em matéria de argumentação do dolce fare niente quando do outro lado existe uma realidade com relógio de ponto, colegas, chefes e patrões mais o fardo terrível da coisa como uma inevitabilidade ou, ainda pior, uma obrigação.
A mim, que assumo essa pele de aberração como soam todos os calões a quem só entende assim os que integram essa alternativa à sua dedicação e empenho na perseguição infrutífera de uma cenoura chamada salário que será sempre absurda relativamente ao de quem verdadeiramente aufere, o lazer está para o trabalho como uma noite bem passada com uma mulheraça está para uma madrugada a agonizar com dores de dentes.
 
Claro que arrisco enfrentar a ira e o escárnio dos que lerem esta posta inútil na perspectiva de quem despreza “os que nada fazem”. Mas cada vez que chega ao fim o prazo de entrega da declaração de IRS e percebo a fatia que me cortam para sustentar hospitais que não frequento, estradas que também pago sob a forma de portagens e de impostos de circulação e o direito (a esperança?) a uma reforma incapaz de me sustentar quando finalmente puder gozar a vida como gosto agora deixo-me de escrúpulos e arrojo este desabafo que considero muito coerente com a minha disposição transtornada por esta invenção demoníaca chamada segunda-feira.

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