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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

23
Dez05

CONTO DE NATAL I

shark



Ou de como sou do contra. Ou ainda porque não me apetece fazer de conta que no Natal deixa de existir o lado negro do mundo só por causa das luzes e das renas e do outro vestido de vermelho, mais dos mérriscristmas e votos de paz na terra aos homens de boa vontade (e os outros??). Ou então porque sou uma ateia que há-de arder nas chamas do inferno e eu ralada com isso.
Ou só porque me apetece, e pronto.



Ainda tinha tentado reconhecer-se, numa encarquilhada fotografia do casamento. O ramo de rosas amarelo-pálido, levemente descaído sobre a seda selvagem do vestido. O reflexo do flash nos olhos, brilhantes, do choro nervoso que a consumira horas antes do momento mais importante da sua vida. Brilhantes agora de novo, do amor que a inundava enquanto sorria para o retrato, da paixão por aquele homem que lhe segurava ternamente no braço. Incendiados, os olhos, do calor que já a possuía e se espalhava por todo o seu corpo como lava vagarosa, só de antecipar a sua primeira noite enquanto marido e mulher, ele a invadi-la, as mãos nas ancas a agarrá-la com firmeza e os cabelos espalhados no seu peito.

Ainda tinha pensado que amanhã era outro dia, já sem a raiva silenciosa pelo cheiro de perfume barato nas suas camisas, que às noites sem dormir e o corpo seco, consumido de ausência e desilusão, se seguiriam noites de corpos encaixados um no outro como metades de um mesmo fruto e dias de cheiros mornos de peles saídas do banho, café e sexo acabado de fazer.

E então, recordou o dia em que lhe dissera, desfigurada de lágrimas e dor: "Olha para mim! Pinto-me para que o meu verdadeiro rosto não fique pendurado na tua memória como uma tela esquecida". Ele tinha olhado para ela em silêncio, como se visse através dela e, com gestos precisos e de uma lentidão cruelmente propositada, sem despegar os seus olhos dos dela, pegara nas malas e saíra porta fora, para dentro da noite, para fora da sua vida.

Sorriu. Antes um esgar dolorido, que lhe percorreu as feições finas e cansadas. Ergueu o copo semi-cheio e, num brinde mudo, engoliu a cápsula de cianeto com o champanhe francês que lhe restava.

Mar

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